sábado, 29 de janeiro de 2011

PROSA CAÓTICA II, CADERNO 2, 1988/2000



11
Li em Ascendino Leite aborrecida censura aos escritores brasileiros “maravilhosamente bem postos e bem remunerados, num país livre que já não persegue ninguém por motivos políticos, muito menos os que vivem de assinar manifestos.” (Os Dias Memoráveis).
Modelo de “euismo” como ele próprio qualifica esse defeito do caráter ou da perso-nalidade, AL goza as delícias de altos proventos, merecidos reconheço-o, conquistados sem o risco de assinar manifestos contestatórios. O que não condiz, certamente, com a sua formação política e intelectual.
Reclama ainda o autor de o SALTO MORTAL, o minguado espaço oferecido pela im-prensa brasileira para denunciar “as atrocidades soviéticas contra os direitos humanos.”
Militante no jornalismo brasileiro, Ascendino Leite sabe que não é bem assim, como ele declara no seu jornal literário. Neste “país livre que já não persegue ninguém”, temos assegurado o privilégio de poder ignorar que não existe tortura maior do que a fome, o desamparo da lei, forja-dores da violência.
No Nordeste vivem milhões de torturados brasileiros, neste “país livre”, nas condições que ele testemunhou e viveu. Mas para ele, essa história de brasileiro sem casa e sem comida na Cidade Maravilhosa, nas belas tardes de São Pedro, onde ele escreve o seu jornal blasé, deve ser propaganda antigoverno do comunista Ferreira Gullar. Nesta ordem de raciocínio, o meu parente Ascendino também deve achar que o povo passa fome por preguiça, ou por capricho, pois se não tem feijão para comer, churrasco de carne de boi e tortas de chocolate seria uma opção melhor.
Uma Maria Antonieta de caderno e lápis na mão pensaria assim, rabiscaria sentimentos puerís, verdades duvidosas, num diário de intimidades socialmente indecentes. Ele mesmo o reconhece no seu jornal, quando fala da “escassa validade social da literatura de intimidades.”
A diferença entre Ascendino Leite e Callado, Drummond, Barbosa Lima Sobrinho, Montello, Houais e Gullar (que ele abomina até o nome), é que estes patriotas são capazes de se comover com a miséria, a pobreza, e de lutar contra esses males que têm origem na estrutura iníqua da sociedade brasileira.
Os ossos de Mário de Andrade, acre-dito, estalaram no túmulo com os ecos da “san-tificação” de Euclides da Cunha, pretendida por Ascendino, para quem, o Nordeste existe apenas como entidade mítico-literária. Eis o mal apontado pelo criador de Macunaíma: a falsificação, o desvio da conotação puramente socialista de OS SERTÕES, transformado em página de antologia e belas letras. Uma grosseira traição.
Deixo uma recomendação ao leitor eventual (os literatos de profissão sabem como fazê-lo) do famoso livro: comece pela “Nota Pre-liminar” onde ele escreveu: “Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi na significação integral da palavra um crime. Denunciemo-lo.” E no final do livro, objurgando comentaristas especiosos, em “Notas do Autor I assevera: “Não tive o intuíto de defender os sertanejos porque este livro não é um livro de defesa; é, infelismente, de ataque.”

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Numa página de Huxley encontrei uma categoria de indivíduos na qual incluo o autor de A VIUVA BRANCA. Trata-se daquelas pessoas que, por circunstâncias favoráveis “de ordem inte-lectual, econômica, psicológica e biográfica... para elas as instituições existem como uma espécie de armação sólida, sobre a qual podem executar quaisquer ginásticas que queiram. A rigidez da sociedade como um todo torna possível, a esses privilegiados, transpor os limites morais e intelectuais sem risco algum. Nenhuma culpa se lhes pode inquinar.” (SEM OLHOS EM GAZA. Grifei).
ARS GRATIA ARTIS.
Não condeno de forma irrecorrível a escrita escapista do mestre Ascendino Leite. O que não aceito é a sua consciente intolerância. A sua compreensão acomodada das tarefas próprias do intelectual, do homem de letras em face do seu povo e do seu país. Da sua literatura, diria melhor.
Atrái-me, entretanto, a sua literatura. A qualidade do estilo, o poder de divagação, a ilu-minação de sua vida interior despertam-me a curiosidade. Encontro-me nele em ocasiões de relaxamento e preguiça, gozo certo prazer. Em suma, um documento exemplar e agradável para o conhecimento de fatos de sua vida, e de fases da vida literária do país, do ponto de vista de um publicista católico, como o classificariam com autoridade.     

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De uma carta de Ezra Pound ao poeta Williams Carlos Williams:
“Eliot, no banco ganha £ 500. Muito cansado para escrever teve uma depressão; durante a convalescença na Suiça escreveu WASTE LAND, uma obra prima; uma das mais importantes 19 páginas de língua inglesa. Voltou ao banco e está de novo em pedaços, fisicamente.”
Certa categoria de intelectuais recusa o seu sepultamento nos escombros da classe média. A sua condição de trabalhador humilha-o, e o oferece no holocausto dos pequeno-burgueses aviltados. Somente a consciência de classe incorpora o homem plenamente à história. Vale para o trabalhador e para o detentor do capital.
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                    Continuo sem uma definição na escritura destas notas. Resta a alegria de colher, ao longo das folhas datilografadas, algo que represente um sentimento verdadeiro, uma preocupação socialmente relevante. Fatos comuns, a superfície dos acontecimentos, deixando de lado a arquitetura típica, contraditória da sociedade, ocupam estas páginas. A dificuldade para a reflexão, para a ação solidária e responsável.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

PROSA CAÓTICA II, CADERNO 2, 1988/2000

PROSA CAÓTICA II – Caderno 2, 1988/2000

1
Ao nascer do sol, já estou de pé. Deito-me cedo e entrego-me aos pensamentos, sozinho no alpendre. Ventos fortes, pingos de chuva ou o avançado da hora empurram-me para dentro de casa.
Gosto de ficar em silêncio, espreitando o espetáculo da natureza, como se receasse interromper o desenrolar das cenas noturnas.
Gira o universo. Estrelas aparecem e desaparecem no céu. A Via Láctea no infinito encantamento de suas lendas desenha-se num fundo negro, profundo. Relâmpagos iluminam o nascente, ronca o trovão. O gado fica imobilizado esperando a chuva para começar a andar numa forma de resistência e adaptação ao belo e incomparável fenômeno natural da tempestade.
A chuva vem montada no vento, que escouceia, sopra com violência. “O vento é o cavalo da chuva”, ensina a retórica sertaneja.
Ao amanhecer, os pássaros cantam todos de uma vez. Destacam-se as modulações do sabiá, do galo de campina. Vozes harmoniosas no meio do alarido. Luz e sombras. As matas reverdecidas depois da longa letargia da seca.
Avisto trabalhadores vindos de suas casas distantes, dirigindo-se para a jornada nas roças. Homens e mulheres, velhos e crianças, em alegres discussões e desafios. A perspectiva de colheita, a superação das dietas forçadas desanuvia-lhes as feições duras como pedras.
Mesmo sabendo que lhes é negado o produto do seu trabalho, retesam os músculos como condenados, o suor pingando do rosto, fazendo manchas escuras nos sovacos, nas costas.
2
Releitura do que venho escrevendo há alguns dias, sem regularidade. Nada além de simples exercício que me impus, de um gesto filho do ócio. O trivial sem estilo.
Lembro de uma página de Huxley. Anotações de um caderno do intelectual Antony Beavis. A lógica do raciocínio de uma mente poderosa. E eu com os meus pobres escritos, sem leitores, rabiscando para mim mesmo.
É uma longa transcrição, mas vale como exercício de memória e autocrítica.
“Acton quis escrever a História do Homem em termos de uma História da Idéia de Liberdade. Mas não se pode escrever uma História da Idéia de Liberdade, sem ao mesmo tempo, escrever uma História do Fato da Escravização.”
“Nas suas sucessivas tentativas de conceber a Ídéia de liberdade, o homem está constantemente trocando uma forma de escravização por outra.”
“A Escravização primitiva é a escravização ao estômago e à estação adversa. Escravização à natureza, numa palavra. A fuga à natureza se consegue pela organização social e pela invenção técnica. Numa cidade moderna é possível esquecer que existe esta coisa chamada natureza – particularmente a natureza em seus aspectos mais inumanos e hostis. Metade da população da Europa vive no universo forjado por ela mesma.”
“Suprimamos a escravização à natureza e surge imediatamente outra forma de escravização. A escravização às instituições. Instituições ju-rídicas, religiosas, militares, econômicas, educacionais, artísticas e científicas.”
“Toda história moderna é uma História da Idéia de nos libertarmos das Instituições. E é igualmente a História do Fato da Escravização às Instituições. É porque se procura por em prática a Idéia de Liberdade que as Instituições se trans-formam.”
3
Herdei do meu pai o espírito boêmio, dessa boemia livresca com certa dose de álcool. E a tendência ocasional para o isolamento, a introspecção. O dinheiro para mim não tem importância além do que se fizer necessário para despesas indispensáveis e modestas.
A avareza, a usura – um veneno da alma.                                                 
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1 - ...estrelas vegetais...Pasto espacial de melancólicos bois...(?).  
Thiago de Melo mora em Paris com Simeão Estilita.
 Preferiu a Torre Eiffel às palafitas de Manaus.
2 - Distribuindo sorrisos.
Como o trapezista.
Voando perigosamente sobre o picadeiro.
O falso artista. Assim ganha dinheiro.

        Há pessoas que se realizam no sofrimento, na distância das coisas, dos seres queridos. Descobrem a pobreza do seu mundo desfrutando da riqueza de outros. Um caso para o divã do psicanalista. Ou para o julgamento da história.
5.........
Estas anotações perdem o sentido de um relatório de fatos, como imaginei. Reproduzem no nível de minhas preocupações, o problema capital da vida espiritual da sociedade. Indagação a que Marx respondeu com um axioma: “Não é a consciência do homem que determina a sua existência. É, pelo contrário, a sua experiência social que determina a sua consciência.”
Uma história da idéia...
Antony Beavis percebeu claramente o processo de desenvolvimento, de mudanças quali-tativas que se operam na sociedade. É uma história do real. O motor está na base, na prática determinadora das instituições.
Querer provar o contrário, ou opor particularizações metafísicas, é como aplicar um “raciocínio lógico a uma situação não existente criada por uma idéia fixa ou uma alucinação.”
A literatura nos estudos linguísticos e estruturalistas – um desvario, uma idéia fixa, uma condenação da lógica dialética. Reflexo das situações sociais, ao mesmo tempo que expressão estilística do espírito objetivo, autônomo, assim o mestre Carpeaux vê a literatura.
Forma e conteúdo na sua complementaridade.
As dimensões sintagmáticas e paradigmáticas da literatura, fundadas no conceito de sobredeterminação de certa formação do inconsciente, como o sonho, não passa de piada, de  miragem no direcionamento dos estudos freudianios.
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Em Sousa, encontro entre os nossos, indecisão para escolha do candidato a prefeito, causada pela prolongada ausência de Antônio Mariz. Preso a compromissos de trabalho na Assembléia Nacional Constituinte, ele pouco tem aparecido.
Esse é o papel do líder. Esperam-no para as decisões que deverão nos levar à vitória, para oferecer-lhe mais uma condecoração.
A submissão a um projeto familiar de realização política, prejudicou a luta socialista de Antônio Mariz. Pai, avô, bisavô, tios, primos, foram governadores, deputados, senadores. Esse traço caseiro, a prosápia, refreou-lhe o ímpeto, desviou a linha de sua ação. Mas entre os paraibanos – é preciso que se diga – pelo seu caráter, pelo exemplo dos seus, permanece admirado pelas qualidades morais no trato da coisa pública. Não vejo, atualmente, entre os políticos paraibanos, outro que pudesse arrancar o Estado do caos administrativo, da frouxidão moral em que o enterraram os últimos governos.
Lembro-me de Ernani Sátyro, reacionário “íntegro”, no seu sonho monárquico de uma casa de reis. O lema do seu governo era con-traditório no enunciado: “tradição e renovação.” Tradição pelo que fizeram os seus antepassados, pelo que ele fazia e pelo que certamente o fariam outros com o seu sobrenome. Enfim, a renovação no seu estilo inarredável.
7
Quando Marshall McLuhan afirmou que “o artista é detentor do poder de ver com clareza e julgar o meio vigente criado pela mais recente tecnologia”, ensinou-nos que, a arte é instrumento e meio eficiente, como reflexo da realidade, para o conhecimento, e que o artista é um descobridor das características e situações típicas da evolução social.
Os artistas são as antenas da raça. Li essa afirmação, acredito, em Ezra Pound, no seu ABC OF READING.
A prática do intercâmbio cultural pode levar-nos à descoberta e identificação da fonte comum entre as manifestações artísticas em todo o mundo, explicando e desvendando “mistérios” que ainda envolvem o homem.
Apesar das características e peculiaridades de cada povo, a soma dos esforços e conquistas do pensamento humano constitue o elo comum, o patrimônio de toda humanidade. A obra filosófica de Karl Marx e as composições de Haendel, alemães pelo nascimento, sugiram na Inglaterra.

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Em João Pessoa, para onde viajei no início da semana, apelos da minha vida passada. Nada, entretanto que me integre fundo nas preocupações de outras épocas. Encontrei pessoas de antiga convivência, a começar pelos meus filhos e minha ex-mulher. Outras, curiosas sobre a vida que estou levando, procurando envolver-me nas suas pretensões junto à administração estadual, insinuam o meu retorno à capital, numa solicitude ocasional e fingida.
Não sou prisioneiro senão de mim mesmo. Impossível, portanto, a frouxa tentativa de resgate. Estive com o governador (Tarcísio Buriti) e lhe fiz entrega do meu livro A FACE DO TEMPO, que começarei a distribuir com as livrarias e com os amigos, que já se mostravam impacientes e desesperançados com o meu ingresso no mundo das letras – publicar um livro.
A visita foi improvisada. Tive de acompanhar um vereador amigo, para testemunhar reclamações de desprestígio na área de sua atuação. Coisas da velha política que ainda não posso evitar – dever de solidariedade a amigos do passado, que ainda acreditam em influência que não tenho.
Evito sempre que posso, encontros no esquema do governo, para não confundirem a minha presença eventual e forçada, com intenções que não tenho: “ser visto para ser lembrado”.
Notei que o meu comparecimento inesperado à audiência deixou o governador preocupado. Com certeza, receio de um pedido pessoal, ou desejo de uma vingança como do seu estilo. Como deputado, fiz-lhe oposição durante o seu primeiro governo e as feridas, estou certo, ainda não cicatrizaram. Falou-me sem entusiasmo, de um novo projeto de utilização do “Espaço Cultural”, que aplaudi sinceramente. Não sei se o movimento, e se os programas de cultura são modestos para a gigantesca estrutura da Fundação José Lins do Rêgo, ou se a sua direção não tem tido um bom desempenho. O fato é que a extraordinária praça com seus equipamentos, não apresenta um trabalho condizente com as suas potencialidades.
No ônibus, de volta para Sousa, para a fazenda, pensamentos indefinidos. Ocorre-me o verso de Drummond: “No elevador penso na roça / Na roça penso no elevador.”

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“Ninguém pode abrir sozinho o seu túnel pessoal para a claridade do dia sem o risco de morrer sob os entulhos.”
Esta reflexão de Aníbal Machado, encontrei-a no jornal de Ascendino Leite. Ele se compraz em pensamentos como este, em temores secretos, que o fazer literário revela.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

PROSA CAÓTICA II, CADERNO 1, 1985/2000

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Ameno e alegre estava o tempo em pleno inverno. Fiz anotações neste caderno e separei livros para leitura, para consulta. A necessidade do reestudo de idéias antigas, informações perdidas na memória.
Em descuidado relaxamento na rede, os pensamentos buscando fatos agradáveis da minha vida passada, escutei ao longe o alarido. Como bramem no pasto as ovelhas acossadas por cachorros famintos, estrugiram os berros, os latidos, o tropel.
Saí para ver, temendo prejuízos no rebanho. Numa clareira na catinga, os filhos dos moradores brincavam agachados, andavam-de-quatro, imitavam os bichos, mergulhados no capim, numa tropelia costumeira. Uma simulação perfeita, real para os ouvidos.
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Ao sentar-me à máquina para escrever, pergunto-me mais uma vez: “Qual o sentido destas anotações? Serão publicadas, lidas algum dia?”
Não se trata de um diálogo com os livros, de um monólogo entediado. Esforçar-me-ei para que sejam conhecidas, apesar da ausência nelas de exemplaridade. Empenho-me, todavia, em oferecer estas manifestações do meu espírito, como fonte de idéias minhas e de outros, aproveitáveis de algum modo.
Lembro-me de Virgínius da Gama e Melo no seu amor à literatura. Dedicou a sua vida não somente à realização da sua obra de escritor, mas em criar, igualmente, condições para que outros o fizessem.
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A sua concepção da vida e da arte é a de que tudo se realiza num mundo miserável, onde a condição humana periclita, reduz-se a de um “piolho, de um carrapato-chupa-sangue e pardo, errante entre os pêlos da onça.” Esta evidência do seu pessimismo diante da vida, em face do mundo que é re-presentado na figura de uma onça que via desfazer-se “em pó, em cinza, em sarna, o que ainda lhe restava de sua vida demente e sem grandeza”, é revelada por Quaderna que vê os homens como uma raça piolhosa, “raça também sarnenta e sem grandeza, coçando-se idiotamente como um bando de macacos diante da ventania crestadora, enquanto espera a morte, à qual está, de véspera condenada.”
A visão de Quaderna – que outra coisa não é, senão a sua cosmovisão – encerra uma revelação trágica entre todas. É quando ele, ao descrever ao Corregedor a aparição sobrenatural, manifesta dolorosamente a sua decepção pela inferioridade e malignidade do que lhe ocorrera, dizendo: “O pior, porém, é que não se tratava nem de uma Onça digna, uma Onça Malhada como aquela que o Profeta Nazário e Pedro Cego tinham visto.”
O Profeta e o Cego são porta-vozes de toda aquela massa de ignorantes e místicos sertanejos, cujos anseios consistem na busca de um mundo justo e melhor, representado na idéia de riqueza e felicidade. Um mundo virtuoso, portanto, cuja pureza é produzida com instinto plástico espontâneo na bela figura da Onça Malhada, que tem nos olhos pedras preciosas, é fértil, cantadeira, propõe-se a tornar felizes os que nela acreditarem.
A visão de Quaderna é deformada, deformação que o entristece e desespera cada vez mais, ao compreender a decadência inelutável da estrutura que o originou, jogando-o à mercê de um sebastianismo inconsequente e criminoso. Todos os sonhos “monárquicos-de-esquerda”, fruto de um falso conhecimento da realidade, que povoam o mundo do Poeta-Decifrador-Astrólogo, não resistem à imagem rejeitada da Onça sarnenta e piolhenta.
Acredito haver certa identidade entre minha teses e as observações de Rachel de Queiroz sobre A PEDRA DO REINO. Sem maior esforço as localizamos em comentários da romancista cearense, encontrando na narrativa “reclamos de usurpação”, “Suassuna olha para esse mundo com a visão do exilado, ainda na adolescência arrancado ao seu sertão natal.”

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Sobre Virgínius da Gama e Melo.
A literatura histórica, amplamente exercitada na Paraíba a par de uma historiografia inaugurada por José Octávio de Arruda Melo, inspirado em José Honório Rodrigues e outros ensaístas modernos, indicar-nos-ão claramente, no choque entre perrepistas e liberais, e no episódio do assassinato do poeta e vereador Félix Araújo, o peso histórico, a identificação de pessoas, o envolvimento de famílias, a descrição de lugares onde se desenrolam os acontecimentos das narrativas virginianas.
Virgínius realiza a exploração de um passado politico da Paraíba, ele contemporâneo dos fatos, testemunha e/ou participante, pelo en-volvimento de pessoas que lhe eram caras, pelos laços de família. É um esforço doloroso e cruel, uma autoflagelação que ele pratica na construção de seus romances, sem uma palavra de simpatia pelos atos dos líderes na condução da massa ignorante, sem que constitua objetivo da acão desenvolvida, a eliminação da miséria, da pobreza.
A única reflexão de um personagem com traços intelectualizados que ele permite nos seus dois romances, é a de Carlos Agra, em “A Vítima Geral”, um spengleriano na classificação do próprio autor, que denuncia a decadência física e moral dos homens da região “padecendo de fome crônica, subnutridos. E ainda mais esses políticos irresponsáveis numa agitação que só tem finalidade pessoal.”
O mais é a narrativa crua dos acontecimentos, a descrição fiel de personalidades deformadas, para as quais, a conquista do poder representa a sociedade com o erário, o enriquecimento pessoal. Virgínius parece que deseja a condenação póstuma dos oportunistas e dos impostores, e a execração dos remanescentes daquele mundo viciado, ao recriar as fases de crise e de trans-formação da vida política paraibana. São romances em que a trama se de-senvolve sem influência do autor, pelo caráter estereotipado dos personagens, pelo sentido histórico dos fatos.
Entendo que Virgínius conseguiu superar o dilema de Irving Howe, que duvida “da possibilidade de alguém escrever um romance político, que seja realmente romance, isto é, mais imaginativo que um documento, e menos subjetivo que um panfleto.”
Foi esse o Virgínius que eu conheci e me habituei a admirar, capaz de condenar o exercício de todas as tiranias, quando defendia os artistas e pensadores russos “dissidentes”, e ao mesmo tempo tinha a coragem de afirmar diante dos fatos, que os norte-americanos não eram mais os campeões da democracia e da liberdade.
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O meu amor pelos livros em certa época tornou-se meio fetichista. Adorava-os em brochuras ou na riqueza de encadernações. Mas um livro, sempre. Comprava-os, escolhia lugares apropriados na estante para guardá-los, e ficava durante dias a receber estranhos eflúvios do seu conteúdo desconhecido.
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Freqüento em Sousa um bar-restaurante, para jantar, para beber cerveja com amigos, para “curtir música ao vivo”, como dizem. Escuto as canções nas vozes agradáveis dos cantores, a execução primorosa em ins-trumentos musicais modernos dos ritmos em voga. Habituei-me a ouvir música, popular e erudita, desde a juventude, e, atento aos critérios para aferição dos valores musicais específicos, no meu julgamento, os rapazes que integram a banda são ótimos artistas.
“Quem são? Onde moram?” A pergunta ocorre-me como a um velho sousense que sou. Na minha cidade houve um tempo em que algumas famílias, além da riqueza de posses, reservavam para seus filhos a instrução, o cultivo das artes. Caricatura tórrida, certamente, na identificação de Oliveira Viana, acharia que tal virtuosismo só podia ser obra de um Pordeus, ou de um Gadelha do ramo do Maestro Nicodemos. Assim também na política, na alta burocracia, éramos levados a pensar, pois oportunidades não se ofereciam para o “vulgo vil sem nome” de que falava o poeta fidalgo Luiz de Camões.
“Quem são? Onde moram?” Insitia.
Filhos do povo, pude saber depois. Moram em pequenas casas no centro da cidade, classe-média-baixa, ou nos subúrbios, filhos de traba-lhadores. São artístas, trabalham para viver. Nenhum filho, neto ou bisneto daquelas prendadas familias, para as quais, a música era um ornamento, um destaque especial além do nome.
Fico a pensar em quantos talentos murcharam no passado, vítimas da poderosa discriminação. Não conheci o velho Nicodemos. Conheço seu filho, o excelente músico Nicó, exímio em solar todos os instrumentos que compõem uma banda de música. Esse não deixou descendentes músicos. Um sinal dos tempos.
Os ricos começam mesmo a ser tangidos das ruas e praças onde se aglomera o povão, perfeitamente integrado no ruge-ruge das multidões. Uns se afastam ofuscados, outros comandam o ritual da reunião.


sábado, 8 de janeiro de 2011

PROSA CAÓTICA II, CADERNO 1, 1985/2000

PROSA CAÓTICA II, Caderno 1 /1985/2000
14
Para livrar-me do desconforto com os trabalhos na casa, viajei para Sousa. A minha cidade de nascimento continua sua intrépida luta contra o atraso. As ruas cheias de gente, muita atividade comercial. As pessoas isolaram-se mais, em grupos de interesses iguais. Assim se cumprimentam, assim ignoram a presença de estranhos.
Automóveis caros, de modelos novos, exibem o triunfo de fortunas recentes, a estabilidade de alguns, a investida aventureira, a alienação de todos. Afastados do centro da cidade os pobres amontoam-se nos subúrbios, e mendigam, exercem um precário comércio ambulante de bugigangas, per-seguidos, corridos pela indiferença dos demais em relação à sua sorte.
Visitei minha mãe doente, imobilizada há anos por uma trombose. Encontro-a todas as vezes que a vejo, o olhar distante, respondendo com monossílabos às minhas indagações carinhosas e apressadas. Às vezes ela faz perguntas. Quer saber dos outros filhos. Fumante inveterada, a doença colheu-a quando ainda administrava com a eficiência que todos lhe reconheciam, a casa, a família. Meu pai falecera três anos antes.
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Concluídos os serviços na casa. O regime de empreitada, com esforço redobrado dos trabalhadores, possibilitou-lhes uma boa remuneração. Mais um motivo para comentários despeitados. Cuidarei, agora, de organizar a minha pequena estante, os meus papéis, cuja ordem imposta pela empregada, não consigo por enquanto, decifrar.
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Ontem à noite caiu uma grande chuva. Alegria geral com perspectiva de um bom inverno, para os mais otimistas.
Os passarinhos, há meses quase desaparecidos, voltaram como por encanto. Chego a pensar que o canto dos pássaros não é apenas a forma de comunicação entre os de sua espécie, para o agrupamento, a guerra, a re-produção. Algo existe na modulação das horas próprias, como que uma integração com o mundo circundante, um hino à natureza, à vida.
As vozes dos homens primitivos assim devem ter ressoado no desenvolvimento de sua experiência social, do trabalho, até chegar ao signo, à palavra, que o ajudou a dominar a natureza, na designação de objetos e fenômenos. Daí para a abstração, o degrau que o transformou no ser superior na escala animal.
Os poetas dizem que os rios cantam, que as flores sorriem, e advertem contra as trapaças do tordo e a crueldade do mês de abril... aves e estações inexistentes no clima do semiárido nordestino.
A arte é aquela forma de integração, de apropriação do mundo mediante a consciência, o instinto animal, e refletem, como experiência social, no complexo relacionamento dos indivíduos, na sua especificidade, a dialética dos fenômenos do desenvolvimento social.
Estamos, é verdade, bastante afastados das sonoras modulações dos nossos irmãos passarinhos. Tudo, entretanto, submetido a leis.
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As lembranças da mais tenra infância, aí pelos quatro a cinco anos, diluiram-se ao longo de uma juventude marcada pela necessidade. Não aquela pobreza enraizada na família, mas a que se sobrepõe ao fracasso de um dos ramos. A primeira humilha, deixa na personalidade a marca da obstinação, da resistência; a segunda revolta; criam bodes expiatórios, transferem res-ponsalidade e fazem os indivíduos maquinadores de vingança sem-razão, dissi-mulados, calculistas.
Na minha casa, para as refeições havia mesas para adultos e para as crianças, tantas eram as pessoas entre hóspedes, visitantes, costureiras e amigos circunstanciais dos meus pais chegados de última hora. O pessoal da arrumação, da cozinha, desdobrava-se.
Ordens rigorosas não permitiam que as crianças se acercassem de onde os adultos conversavam, a não ser quando eram trazidas para serem exibidas como modelos disso ou daquilo. Quantas vezes fui arrancado dos meus brinquedos com outros de minha idade, levado a contragosto para diálogos absurdos, que só me aborreciam!
De minha mãe, lembro-me nessa época, com vestidos limpos e vistosos, o inseparável cigarro, perfumada, a conversar com modistas, mostrando às visitas os inumeráveis álbuns de fotografias da família. Tratava-me com carinho, o seu caçula, e eu procurava o seu colo para os prantos provocados pelos ferimentos e contusões sofridos em brincadeiras, ou beliscões que me aplicavam os irmãos mais velhos quando incomodados por mim.
Meu pai colocava-me nas suas pernas e acariciava-me, beijava-me, e arrancava-me lágrimas esfregando os pêlos duros de sua barba na minha pele delicada.
Quando fui mandado para a escola, comecei a perceber que mudanças ocorreram na nossa vida sem que eu notasse. Tudo estava sendo medido, controlado. Os meus irmãos mais velhos e também as minhas irmãs, devem ter sentido mais dolorosamente o declínio. Rareavam as visitas. Minha mãe conservava a respeitabilidade de sua origem abastada em Mossoró, família de grandes comerciantes, morando em aristocráticos sobrados que conheci muitos anos depois.
A nossa ascendência em linha reta dos “Leite Ferreira” de Piancó, mandados pela Casa da Torre para colonizar aquele pedaço de sertão, mantendo-se pelas posses e prestígio político, desde o Império, com repre-sentantes na vida política do estado, não nos afetava. A mim, pelo menos.
Morávamos em Sousa, onde meu pai dedicava-se a atividades comerciais, e esta cidade como todo o peso de suas potencialidades, na luta entre os potentados locais, ignorando os nossos tios e avós, deputados e doutores, assistiu à queda da nossa fortuna. Todo nosso patrimônio resumiu-se a uma pequena propriedade rural entregue a arrendatários, a casa onde mo-rávamos, e duas outras, vendidas depois para gastos eventuais.
Meu pai, liquidados os seus negócios, entrou para o serviço público estadual, comportando-se com o seu temperamento expansivo e o seu espírito jovial, a mesma pessoa alegre e digna.
Sobrevivemos como os sousenses e com os sousenses, no clube, na política, na igreja, na feira, na escola.
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Est modus in rebus, sabedoria do velho Horácio.
Com o meu pai aprendi a cercar-me de livros, não para exibir cultura, mas para abrir as portas de outros mundos. Acredito que ele assim procedia, pois não conheço textos de sua lavra. Ficou, todavia, o hábito salutar.
Li muito, sem nenhuma orientação em fases da minha juventude. A literatura começou a me cativar com as páginas descritivas, as historietas infantis dos livros escolares, ainda no curso primário. Surpreendiam-me, que, letras e palavras reunidas pudessem criar paisagens, acontecimentos. Depois vieram os nossos clássicos pré-modernistas: Macedo, Alencar, Castro Alves, Bilac, Euclides, os Azevedo, o romance nordestino entre muitos, que me remetiam para os seus modelos de além-mar.
Numa cidade sem livros, isto é, onde o livro é artigo fora do comércio, circulando apenas as “letras cambiárias”, foi difícil o meu apren-dizado, a minha iniciação literária.
Poesia e prosa de ficção, nacional e estrangeira em tradução, foram as minhas poucas leituras, sem caráter seletivo, debruçado apenas sobre os sentimentos, os dramas, as paixões humanas. O amor e o ódio. A vitória e a derrota. O homem e o seu destino: o seu passado, o seu futuro.
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Tem chovido regularmente, fato digno de registro nesta região, nos meses de janeiro e fevereiro. Os pequenos proprietários rurais, os trabalhadores desassistidos, mas cheios de confiança em Deus, lançaram no solo as sementes que puderam guardar, ou conseguiram através de compra e empréstimo, precários, nesta circunstância.
A despeito da farta propaganda pelo rádio, as anunciadas “sementes selecionadas para distribuição entre os agricultores” não chegaram nos postos do governo. E como tem acontecido tantas vezes, uma praga de lagartas não controlada, destruiu quase toda plantação.
Esperança é o que resta. Em que não consigo entender. A sobrevivência, a vida em condições subhumanas.
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Na mesa DA CRÍTICA E DA NOVA CRÍTICA, de Afrânio Coutinho. A miragem dos Estados Unidos da América. Pena que uma inteligência brasileira tenha sofrido tão lamentável cooptação.
Quanto a Nação investiu no seu cabedal de conhecimentos! Valeria a censura? Poderei ser acusado de radical. Ou de mesquinho, o que seria pior. Afinal de contas, argumento em meu favor, o sangue brasileiro e o norte-americano foram derramados na luta contra o nazismo e o fascismo.
Notórias são as ligações do New Criticism com os “temas principais do fascismo”, desenvolvidos abertamente na The American Review, remontando as origens do “movimento” à agitação “ideologicamente conservadora” dos Southern Agrarians, no Sul dos E.U.A. A afirmação é do crítico Keith Cohen no ensaio inserido por Luís Costa Lima no seu TEORIA DA LITERATURA E SUAS FONTES.
Não desprezo, em absoluto, a especialização dentro dos estudos literários. Ninguém o faria. O que não aceito são os caprichosos exercícios de empatia, o rico e curioso jogo de palavras novas na dissimulação de propósitos velhos, deixando de lado a noção basilar de literatura como fato socialmente condicionado.
O aprendizado, ou melhor, a especialização de Afrânio Coutinho nos E.U.A., no campo da crítica literária, submeteu-o de tal maneira a certos modelos daquele país, que o fez esquecer as palavras portuguesas que corres-pondem a expressões usadas por ele como meaning, close analyses, e vai por aí.
Os culturalistas reacionários defendem a tese do desinteresse, da imparcialidade da arte. Através das formas e conteúdos da arte na sua espe-cificidade, eles precisam saber, evidencia-se o processo dialético do desen-volvimento da sociedade. “O interesse social é o conteúdo da arte”. Isso eles querem negar.
Na divulgação de sua tese, AC defende como estéticos os elementos internos da arte literária, valendo por si, independente do meio, da datação histórica, da sociedade que a produziu ou inspirou, como ele queira.
A abordagem da obra literária pelo método intrínseco, preço-nizado por AC, exclui da apreciação a vida, que é o conteúdo da literatura, e retoma a questão Kantiana da “coisa em si”, inteiramente superada do ponto de vista do desenvolvimento da ciência e da filosofia.
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Leitura no volume VI da HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL, de Otto Maria Carpeaux, de duas páginas sobre Baudelaire:
“Nas vicissitudes póstumas da poesia de Baudelaire é possível acompanhar as deformações, transformações, e transfigurações que a imagem do poeta ‘vase de tristesse, ô grand taciturne’ sofreu nos olhos da posteridade: “do ‘satan d’hôtel garni, un Belzebuth de table d’hôtel, de Brunetiére, até ‘notre Baudelaire’, do católico Fumet.”
“São três imagens diferentes de Baudelaire. Cada uma parece compatível com as duas outras... seria ao mesmo tempo o romântico deses-perado, o boêmio perverso, o pecador arrependido. Baudelaire é em ‘Tableau Parisiens’ o primeiro poeta da grande cidade moderna. Sua teologia do Mal e sua filosofia das ‘correspondences’  entre todas as coisas do Universo são as bases de sua ampliação da poética:  a estética do Feio”.
Registra Carpeaux o caráter precussor na poesia que reflete a obra de Baudelaire, ao nível do que aconteceu no romance e na psicanálise (depois dele) com Zola e Freud. “A poesia de Baudelaire é consciente no máximo grau”, assevera.  Mesmo quando feita para ‘epater le burgeois’.
Nessa leitura, a torturada condição humana é resgatada das sombras. Os versos dos poetas em face do seu mundo burguês, opondo-se a ele, o redimem.
Transcrevi os fragmentos acima, que nos fornecem a paisagem humana e a concepção estética de um poeta e do seu tempo, e também um panorama crítico interpretativo, para compará-lo ao estudo do professor Ramom Jakobson sobre Les Chats, reduzindo à coordernação das proposições da língua, todos aqueles aspectos comentados e que interessam à sociedade e à história.
Vejamos alguns parágrafos do estudo do mestre de Praga:
“O soneto compreende três frases complexas delimitadas por um ponto, a saber: cada um dos dois quartetos e o conjunto dos dois tercetos... as três frases apresentam uma progressão aritmética: 1) um só verbo conjugado (aiment); 2) dois (cherchet, êut pris); 3) três (prennent, sont, etoilent). Por outro lado, cada uma das três frases só tem um único verbo conjugado: 1) qui... sont; 2) s’ils pouvaient; 3) qui semblent.”
“...o sujeito animado não é nunca expresso por um substantivo, mas sim por adjetivos substantivados na primeira linha do soneto (Les amoreux, les savants) e por pronomes pessoais ou relativos nas orações ulteriores... Se, no início do soneto, o sujeito e o objeto participavam igualmente da classe do animado, os dois termos da oração final pertencem à classe do inanimado... Até aqui o poema se nos apareceu formado de sistemas de equivalências que se encaixam uns nos outros, e que oferecem, em seu conjunto, o aspecto de um sistema fechado. Resta-nos abordar em último aspecto, sob o qual o poema aparece como sistema aberto, em progressão dinâmica do começo ao fim.”
Não posso deixar de perguntar: como se sentiriam os autores, vendo assim estudada a sua obra? Acredito que eles indagariam: Qual a significação do trabalho artístico desvinculado do mundo dos fatos sociais? Em que, tal concepção da obra de arte literária (de Jakobson), fixará na história o papel do escritor?
A comunicação tem por objetivo o entendimento, e submeter-se à análise, à compreensão. O estético em literatura restringe-se à comunicação inteligível da experiência humana, à transmissão pelo conteúdo abstrato das palavras, de imagens sensíveis. Não se propõe a obedecer nem criar códigos lingüísticos. Não esqueçamos a lição de Gorski: “a língua é o meio de rea-lização do pensamento.”
O esforço de Roman Jakobson, não auxilia sequer as especulações e estudos gramaticais. Não passa de um mero jogo de palavras, sem importância para o estudo da literatura e da língua na qual o poeta escreveu. Parafraseando Mme. Stael, diria que se trata de um exercício fútil demais para se nivelar à ciência, e complicado demais para o lazer, o divertimento.
Talvez, arauto de novos tempos, com a progressiva invasão da “informática” nos variados campos de atividades do homem, o trabalho jakobsoniano permita computadorizar leituras, e descobrir significações escondidas do perceber humano na obra dos artistas.