terça-feira, 30 de abril de 2013

Notas da Fazenda



SERTÃO, GUIMARÃES ROSA E ARIANO SUASSUNA
Estava no alpendre, o telefone chamou e atendi contrariado, porque me deleitava olhando para o nascente com o “céu carregado” de nuvens sombrosas, escutava o ronco do trovão trazendo a chuva, que já vinha perto. Como no mês de janeiro. Uma alegria, uma esperança. O ano passado, esclareço, foi seco, pouca chuva, quase nenhum relâmpago e trovão, e já neste fim de abril corrente, a situação é a mesma, o rebanho no cocho pelo segundo ano, sendo recomprado com o custo da ração. O aborrecimento, todavia, desapareceu: era o amigo Gonzaga Rodrigues. Informou sobre a solenidade regimental da Academia Paraibana de Letras, em memória do imortal sousense Paulo Gadelha, falecido há um mês. Fez consultas sobre Paulo e sua vida, para o discurso que fará na homenagem.  
Chegou enfim o temporal, confirmando “sinais” que eu entrevira durante o dia, e comentário que escutei depois, sobre a chuva da tarde. Pela manhã comparecera a uma cerimônia religiosa católica, para o sepul-tamento de duas idosas senhoras sertanejas, de famílias amigas, da minha vizinhança. “Dona Leó e dona Raimunda eram caridosas, e deram muita água aos que passavam com sede na sua porta. A chuva paga o mereci-mento de sua caridade”, alguém observou. Era a crença local na relação entre a chuva e os atos das pessoas.
Os costumes e hábitos, os adquirimos na infância, verdadeiros, ines-quecíveis, viram lembranças. Aqui, principalmente em relação ao inverno. Para qualquer palavra referente a negócios, nós sertanejos costumamos olhar para o céu, para o Nascente. Não faço charme, o sertão é o meu lugar. Nasci no sertão, me criei no sertão, pouco saí do sertão e moro no sertão. Aliás, a vida, o ambiente, em qualquer local, é entremeado de situações sertanejas, digo, que lembram o sertão, na fala, nos detalhes ambientais, decorativos. E nos encanta e alegra, porque o sertão está em todo lugar: esta afirmação tirei-a de leituras, de citações patrioteiras, legítimas de Gui-marães Rosa. Por sinal, tratando ainda de escritor famoso, escutei o sertanejo Ariano Suassuna, em recente palestra na cidade de Sousa, investir contra a entonação, a pronúncia das palavras, das frases com acento malandro de carioca, preciosismo de paulistas submetidos a múltiplas influências na construção de sua identidade, nascida da memória alheia, de imigrantes de Asia, Europa, África, Américas. Diferente de nós ibéricos-nordestinos, que primeiro descobrimos o Brasil, criamos uma língua brasi-leira. É a dita pelo poeta “flor do Lácio inculta e bela”.
Tal felonia acontece com muitos imigrantes nordestinos, numa rendição servil aos costumes dos que mandam na sua vida. Existe, pois, uma linguagem, um falar, próprios dos habitantes da nossa pátria nor-destina. O que vale para mim, portanto, é a memória, e a minha está na infância. E a minha infância é paraibana, sertaneja, do semi-árido. Sobre o modo de falar, conheço pessoas da catinga que, passando um mês no Sul voltam chiando nos “s”, cantando e escorregando feito passarinho; sei de gente nascida e criada aqui em Sousa, formada na capital, político de mandatos, que fala como os pernambucanos sem nunca ter morado lá: “impertxinentxi”, “osx doisx, tresx. Herança batava, dele? Poderia. Nossa, não. O meu vaqueiro Raimundo de Elias, anos atrás passou um mês em São Paulo, voltou de óculos escuros, com fitas de baiano no punho, trouxe relógio, gravador, uma raridade naquele tempo, chiava nos “s”, exclamava caramba! caralho! a qualquer pretexto. Com algum tempo retornou ao que era. De minha parte, posso dizer que morei doze anos no Recife, viajei pelo Sul e não aprendi a falar como os de lá: difícil para mim, enrola a língua, range os dentes.
Escritores e artistas nordestinos ditaram: a pátria é a infância. Luis Jardim, Santa Rosa, os que lembro. Teve um francês que escreveu: “La patrie c´est  l´enfance retrouvée”. Tal como os nossos. Todas as pessoas têm a sua pátria porque lá nasceram, viveram a infância e não a esquecem. Me envergonha o procedimento de conterrâneos que negam a origem, co-mo argumentei no parágrafo anterior. Li um texto esclarecedor do poeta e polemista Bruno Tolentino, acentuando que as mudanças no tempo e na vida não apagam as lembranças dos fatos, para ele, testemunhas da ci-vilização. Para nós dos tropeiros e boiadeiros. Identificamos o autor de “Verdes mares bravios de minha terra natal”, “Deus ó Deus onde estás que não respondes?” José Alencar e Castro Alves, o que soubemos na escola, nas conversas, nas referências de conspícuos improvisadores, cantadores de viola. Escreviam, falavam,  descreviam o seu lugar.
Importante a leitura do texto a seguir: “Elevar um discurso para fora do alcance do poder letal do tempo significa, justamente, temporalizar ao mais alto grau as coisas e as linguagens da mente... Estou dizendo que o poeta máximo é aquele cujo dizer, fundado nas coisas deste mundo, num presente vivido, tende de modo natural àquelas alturas do pensamento a que convergem o universal, os mistérios da sensibilidade de um poeta e as sutilezas de seu idioma. A partir de então este pode “mudar” o quanto seja – e nosso léxico preferencial e até nossa sintaxe mudaram muito desde a composição de “Vozes d’África” (e acrescento “Iracema”) – mas não lhe será mais possível furtar nada ao impacto emotivo-verbal que a um dado ponto na história nele encarnou-se perfeitamente”.
Em nós, a prosódia, os hábitos e os costumes. 
..............   Fazenda Lagoa de Baixo, abril 2013.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Notas da Fazenda



RASTRO DE ANDARILHO
EILZO  MATOS
“Jardim Miramar, Maio 1966”, esta inscrição está no final do livro que tenho em mãos. É a data do término da composição da novela-romance “Rastros de Andarilho”, de José Urquiza, como o “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, tratando dos dramas e da vida de bichos e pessoas, envolvidas numa existência no mesmo espaço e cenário, comuns à convivência de todos. Os acontecimentos, as tragédias são iguais. Ideólogos e comentaristas atribuem-lhe um qualificativo. Nada mais. A literatura, entretanto, revigora-se dialeticamente, como expressão e fenômeno exclusi-vamente humano, na teoria do conhecimento, tratando do costume, da vida em sociedade. Também é o retrato social e político de uma época.
Vivi aquela data noutro “sitio”, como falam os portugueses. Mas, como acentuou Guimarães Rosa, seria o mesmo lugar, porque o sertão está em todo lugar, por mais afastados que sejam um do outro, em toda parte, e falando-se de Patos de Espinharas e Sousa do Rio do Peixe, a distância quase não conta, porque se troveja e relampeia numa cidade se escuta e vê na outra. Esta é a estreiteza da vida, perceptível, impositiva, coercitiva. A abrangência no seu fazer, tornando a totalidade em semelhança e homogeneidade, submetida inelutavelmente à práxis do ser.
Batedor de tijolo, prostitutas e meganhas desfilando em passadas, no modo do trabalho de cada um, também a sofrida cachorra, amojada, abandonada, requestada, enfrentando um destino de fracassos e sucessos como as mulheres, as pessoas enfim. As famílias sem documentos, os comerciantes sem lastro, as paixões, duradouras ou não, se exibindo na cadeira de balanço de noitinha na calçada. O trono do cabeça-de-casal.  Este um universo inegavelmente humano, trágico e feliz como acontece nas comunidades organizadas, a espada pendendo na cabeça de cada um.
A narrativa de Urquiza é expressivamente literária, para mim mais ao gosto do jornalismo-reportagem. Ignoro se na sua vida ele militou na redação de jornais, como repórter ou assinante de colunas, editoriais, sueltos, reportagens. Encontraria aí a provável influência no estilo de escrever, de redigir. Na sua novela, o relato, os figurantes, os fatos, tudo está efetivamente na linha do realismo  reprodução instantânea do momento, como na fotografia profissional. Esta a impressão que o livro me causou. Mas, o romance está preso também à sociedade dos homens, nos seus percalços. Em nada ligado ao simbolismo recorrente do terror e da tragédia dos romancistas ocidentais do século XIX, tampouco à incompreensível explosão de fatos supostamente produzidos pelo desenvolvimento de processos tecnológicos, à moderna ficção científica, na mitologia das transmutações, dos avatares, incompreensíveis e inaceitáveis para alguns. E o curioso encadeamento de fatos e destinos envolvendo pessoas e bichos, despertaram-me emoção e simpatia. Ah! Como a literatura encerra a minha vida nos seus recursos imaginários jamais permitidos na vida! E estimei a novela do amigo desaparecido.
Não gosto de livros volumosos como tratados de ciência, de romances cíclicos que atravessam épocas, mas da vida sendo vivida em palavras e ações, nada de usufruto, fruição de heranças personalistas. Grande é a vida de cada um, e viver é lutar, mesmo sem arroubos shakespeareanos. Muito tenho a meditar e tentar comentar sobre o livro do contraparente e amigo José Urquiza, em nome da nossa amizade, pelo texto e sentido de sua criação artística.
Fica pra depois.               

domingo, 14 de abril de 2013

Notas da Fazenda

RICARDO, O CAMELÔ NAZISTA CUSTEADO COM MUITO DINHEIRO PÚBLICO

O chamado “Orçamento Democrático” tão badalado na imprensa como uma das grandes realizações do governo estadual, não passa de um capricho irresponsável do governador Ricardo Coutinho, da manifestação irreprimível do seu comportamento ditatorial e antidemocrático. É sua intenção, tornar público e dispensável, o papel fundamental do Poder Legislativo de analisar e votar o orçamento. Visa pressionar e manietar o Parlamento com ações criminosas por ele coordenadas. Mas é preciso reconhecer, e ele jurou respeitar, a legalidade do Poder, porque se trata de um órgão constitucional, como o Judiciário e o Executivo. Não o é, entretanto, o tal “orçamento democrático”. Este é apenas uma gangorra, um disfarce: não trata da administração, mas da reeleição de Ricardo. Sei que os pseudo-cientistas do Direito, que auferem vantagens nos governos antide-mocráticos, partirão em sua defesa. Mais um logro conhecido.

O “Orçamento Democrático”, ao analisarmos a sua estrutura e forma de funcionamento, constatamos que se trata de uma organização espúria, facinorosa, doutrinariamente construída e financeiramente mantida criminosamente com verbas públicas, pelos inimigos da democracia, os aproveitadores, os xeretas. Impossível esconder, negar os fins inconfessáveis.

Peço permissão ao jornalista Rubens Nóbrega, para utilizar os termos do seu recente REPTO dirigido ao Governador: “NÃO, NÃO TEM MORAL!” (Jornal da Paraíba 12/04/2013) Quando entre outros fatos argumenta: “O Passe Livre criado pela Prefeitura da Capital deve beneficiar muito mais alunos do que apenas os 40 admitidos pelo governador Ricardo Coutinho em virulenta, destemperada epropositada desqualificação do programa lançado pelo prefeito Luciano Cartaxo”. Por esta razão chamo a atenção, para esta manifestação trágica, antidemocrática e caricatural do chamado Ricardo Boca Torta. É a inveja e o despeito pingando no seu suor mefítico. E sabemos com que fim.

Acho que vale a pena fazer um levantamento das despesas com a mídia, documentos, transporte, alimentação, hospedagem, material de expediente, diárias, etc, e, principalmente a soma em dinheiro, gasto em gratificações aos articuladores e participantes das “reuniões” de qualquer tipo, como “preparatórias”, “assembléias” etc, que se multiplica em todos os recantos do Estado, com a finalidade de montar a arapuca nazista – o orçamento democrático. Ali ninguém está de graça.

Duvido que pessoas deixem as suas casas, outras ocupações sem a contrapartida da boa alimentação, do transporte confortável, da hospedagem, do pagamento da farra animada por bandas, e da carimbada simpatia do governador. Deve a despesa chegar, como se diz popularmente, a uma grande soma, a uma “fábula”. Porque esse pessoal, ganha e recebe todos os dias, durante o ano inteiro dinheiro e vantagens. E como são muitas! Ali ninguem está de graça, repito.

Aliás, acho mesmo que essa bagunça administrativa, presta-se bem para preparar criminosamente a campanha eleitoral para a reeleição do atual governador. É isso o que ele quer. É mestre na dissimulação, na enrolada. Costuma alimentar-se eleitoralmente dos detritos morais da política estadual. É o típico camelô de luxo, aquele custeado pela administração pública que paga a ostentação de sua magnificência. O sofrido propagandista de produtos do comércio modesto, no meio da rua, é outra pessoa na dignidade do seu trabalho, muitas vezes enxotado, espancado como Ricardo o fez na nossa capital. É, entretanto, o protagonista da exteriorização das perebas, das doenças políticas e sociais deste governo, que não consegue esconder.

Notas da Fazenda

DORGIVAL TERCEIRO NETO
A minha lembrança de Dorgival Terceiro Neto sustenta-se na sua crônica de estudante no colégio de Patos, depois hóspede da Casa do Estudante em João Pessoa - quando a Paraíba começou a conhecer e admirar a fortaleza do seu caráter incorruptível. Daí pra frente a índole, o temperamento definiram o cidadão que permaneceu impoluto como convém a todos, ao homem público principalmente. Não privei de sua convivência no período de sua vida estudantil. De uma geração, um pouqinho mais nova, e estudando no Recife, pessoalmente não o via, mas a sua legenda chegava aos meus ouvidos nas terras pernambucanas. Era o sertanejo que não traía a fala e os hábitos. Autêntico. Conheço gente de Sousa que fala "axs coisaxs".Tipos também chiam aqui de João Pessoa. Dá pena. Conheci Abelardo Jurema, o velho, que morou a vida toda no Rio de Janeiro e não tinha esses tiques na pronúncia. O Abelardinho pode chiar porque nasceu e criou-se no Rio. Dorgival não chiava. Mas o meu conterrâneo João Estrela falar "axs exscolaxs" faz pensar que a sua popularidade política tem aí suas raizes, porque desconheço outro mérito intelectual ou profissional que o destaque. E como administrador público nem se fala. Antonio Mariz achava que a risada de Zé Dantas acabara a liderança de Jacob Frantz em São João do Rio do Peixe. Não encontrava outra explicação. Isso me disse muitas vezes, matutando métodos para as nossas campanhas eleitorais. Mas voltando ao caro Dorgival, assinalo a sorte, o destino que o fez vizinho de moradia, nas proximidades do Clube Cabo Branco, do matuto-político-escritor Zé Cavalcanti. Acocorados os dois na calçada eles conversavam como bons sertanejos. E os moradores do bairro passavam e os cumprimentavam, e não viam nada demais. Como governador Dorgival era o mesmo homem: reto, digno, beradeiro. Sousa e a família Mariz lhe devem a pesquisa que descobriu no João Belchior Marques Goulart um "Marques" de Sousa, que mandou para os pampas bachareis ilustres que lá se fixaram como Benedito Marques da Silva Acauã, parente também do nosso jurista Antonio Elias de Queiroga. A cidade de Sousa alardeou por muito tempo a sua performance política na Camara, no Senado, no Governo do Estado. Faltava a Presidência da República. Pois Dorgival ilustrou a nossa tradição com a sua pesquisa, que lhe conferiu o exercício do mais alto cargo da Nação. Os marizistas comemoraram. Muito mais tenho para dizer, mas o farei noutra oportunidade. Finalizo chamando a atençaõ para os vultos ilustres que Taperoá tem dado à Paraíba: cito Ariano Suassuna, Dorgival Terceiro Neto, Manelito Vilar e Balduino Lelis. Por enquanto.