PADRE
ARISTIDES - Piancó e a Coluna
Quando
a Coluna Djalma Dutra/Siqueira Campos/Miguel Costa (depois chamada Coluna
Prestes) realizava sua marcha histórica através do país, não era seu propósito o
combate armado, mas a divulgação de ideias sociais renovadoras na política
nacional. Partidariamente os coronéis sertanejos e suas oligarquias, que se alinhavam
quer na situação quer na oposição, e desfrutavam as benesses do Estado estavam
de um lado; e do outro os reclamos do povo contra o atraso econômico e social
que tal procedimento acarretava ao país, e era escutado pelos militares.
No
município de Piancó, que se destacava na Paraíba pela pujança e tradição de
suas lideranças, duas forças se enfrentavam naquela ocasião: o Padre Aristides
e seus seguidores, que representavam o Estado governado pelo presidente João
Suassuna, e como se dizia então “estava de cima”, e a família Leite Ferreira
com os seus correligionários que “estavam de baixo”, pois apoiaram a
candidatura do Monsenhor Walfredo, derrotado pelo nascente clã dos Pessoas e
seu grupo nas eleições de 1915. Mas os Leite resisitiam com o seu deputado
federal dr. Felizardo Leite Ferreira, e o de-putado estadual Ademar Leite
Ferreira.
Os
Leites e o Padre Aristides representavam a ação política retró-grada no início
do Século XX. Novas forças políticas nacionais se organizavam, lideradas pela
oficialidade superior das Forças Armadas, cognominada “Os Tenentes”, nascida
com os “18 do Forte de Copa-cabana”, que defendiam a modernização dos costumes
políticos do país. A defesa do voto secreto, do ensino primário obrigatório, da
industrialização, dos direitos trabalhistas e outras propostas éticas e
democráticas no campo do desenvolvimento econômico e social eram a sua bandeira
de luta.
Como
se vê, Os Leites e o Padre Aristides representavam o atraso político e social
dominante, e a marcha militar chamada Coluna Djalma Dutra/Siqueira
Campos/Miguel Costa, generais, a modernidade. Luiz Car-los Prestes incorporado
à coluna militar era capitão, e defendia as mesmas idéias sociais. O governo
federal exigia dos governadores (presidentes) dos Estados, fosse dado combate à
coluna que contestava a sua posição, oferecendo-lhes os benefícios de seus programas
administrativos. Por sua vez, os presidentes dos Estados, na Paraíba João
Suassuna, cobravam dos seus correligionários nos municípios, apoio para bem se
situar perante o poder federal. Ao padre Aristides cabia, como correligionário
do governo estadual, decidir sobre que devia ou não devia fazer. Nada envolve a
família Leite Ferreira no episódio sangrento.
Ainda
há tempo para reabilitar a honra e bravura dos filhos de Piancó, manchadas por
indivíduos, que falseiam a história dos fatos re-ferentes à passagem da Coluna na
cidade. Prestes naquele tempo era um competente capitão, não comandava, e
naqueles dias não se falava ainda em comunismo.
Só
depois, muito tempo depois de dissolvida a Marcha, exilado, Prestes fez
leituras de caráter político na linha marxista. O governo brasileiro e a igreja
católica representando na política internacional o lado capitalista, decidiram
combater Luiz Carlos Prestes que se tornara líder nacional da linha socialista.
A Igreja que se opunha à facção socialista, a que se integrara Prestes, passou
a usar o episódio de Piancó como traço característico de uma política contrária
à religião. E diziam que Prestes era assassino de padres e de criancinhas, inimigo
da família, etc.
A
família Leite Ferreira, ao tomar conhecimento da passagem da Coluna na região,
procurou recolher-se às suas propriedades rurais como o fez, porque Piancó não
estava em questão. Se estivesse, os Leite Ferreira se fariam presentes. O
governo é que combatia a Coluna em todo território nacional, e o padre que
obedecia ao governo agiu como agiu.
Homenagens,
verdadeiramente, devemos e eu as presto, aos heróis daquele trágico dia, os
bravos cidadãos, alguns anônimos, sacrificados pela leviandade traiçoeira do
Padre Aristides. Lutaram como heróis, enganados, convencidos que defendiam a
honra da cidade e do Estado, quando, na verdade defendiam simplesmente o
prestígio do Padre Aristides como chefe político, para auferir as vantagens e
gozar o prestígio oferecido pelo governador, em prejuízo da moralidade e dos
bons costumes, todos sabem.
Transcrevo
abaixo trechos de carta que enviei ao inteligente advo-gado Yurick Lacerda
acerca destes fatos. Leiam.
“Como
sempre, nos seus textos e neste ‘Seu Pedoca: Um Sopro de Vida e Beleza’, você
empreende uma viagem através da história do velho Piancó. Dados relevantes e
fuxicos, verdades, calúnias e leviandades transitam na via memorialística do
seu trabalho. Aprecio a sua vocação para as letras ligadas à crônica e fofocas
do Piancó Guerreiro e destacado pelos seus feitos, entre outros burgos
paraibanos. Mas lhe faço neste caso, os reparos necessários.
Pena que você não tenha lido “Os Mártires de
Piancó”, do Padre Manoel Otaviano, que traça cuidadosa biografia do Padre
Aristides e narra com detalhes traços de sua vida e a sua passagem como vigário
e líder político na cidade de Piancó.
Ali está a verdade dos fatos, e a condenação da calúnia e do
desvirtuamento da história por alguns. Em texto intro-dutório o escritor Celso
Mariz registra que “A Coluna Prestes manterá na história do país uma tradição
inapagável de idealismo cívico e a medida de uma das mais belas marchas
militares do mundo”. E que “... o padre Manoel
Otaviano, por muitos motivos e qualidades, era o mais indicado para traçar o
perfil em alvo e o acontecimento cruel. Foi discípulo, colega, amigo e depois
adversário do perfilado... Era vigário em Piancó quando o padre Aristides já se
achava em franca atividade partidária, quando foi suspenso de ordens, quando se
deu a hecatombe do seu martírio”. Prefaciando a obra escreveu o próprio Manoel
Otaviano: “O que vai exarado, neste livro, sobre a vida e morte do padre
Aristides Ferreira da Cruz, trucidado no dia 9 de fevereiro de 1926, ao lado de
fiéis companheiros do mesmo infortúnio, não sofre contestação. Conheço, de
perto, todas as retas e curvas do seu caminho, desde os bancos escolares até o
seu desditoso fim.
Expressão
maior da intelectualidade do Vale do Piancó, assim ele comenta na sua tese: “a
politiquice de fancaria, baixou as vistas e, sem-vergonhamente silenciou...
Também não se compreende, em face dos mais comezinhos princípios de lógica, a
berrante propalação, de que dentro da coluna rebelde, havia inimigos do padre Aristides... Como se vê, pelo exposto,
a calúnia não ficou de pé, ante a análise criteriosa dos fatos” (Os Mártires de
Piancó – Editora Teone, João Pessoa 1954)
À
alegação no seu escrito, portanto, de infiltração na tocaia pre-parada pelo
Padre Aristides, de elemento ligado aos Leite Ferreira para atacar os patriotas
da Marcha Miguel Costa/Siqueira campos, que depois da troca de mensagens chegavam
à cidade de armas baixas (não em posição de combate e ataque), é chocante, demais
estúpida e degradante dos princípios moorais, não se sustenta em documentos,
nem depoimentos confiáveis. O historiador Manoel Otaviano destroçou-a. E o
Coronel PM Arruda igualmente. A verdade é que o Padre Aristides decidiu, ele
próprio, praticar o ato traiçoeiro, mas sofreu duro contragolpe, e lutou
desesperadamente, para salvar a própria vida, não a honra de Piancó, o que não
conseguiu. Um episódio que mancha a história da política nacional.
Traiçoeiramente o padre fuzilou os primeiros militares da Coluna que
confiantemente entravam na cidade. Aconteceu naturalmente o revide.
Desejo
ressaltar − e você sabe que é verdade −,
que os Leite Ferreira não pedem licença a ninguém para estarem presentes na
história verdadeira e oficial de Piancó: eles são a expressão dessa história.
Você e Clodoaldo Brasilino, Chico Job, historiadores locais, e Celso Mariz,
Cônego Florentino Barbosa, Cônego Manoel Otaviano, José Octávio de Arruda Melo,
Humberto Cavalcanti, todos da APL e do IHGP, e outros intelectuais, já os
citaram como personagens principais da vida local, com expressão estadual e
nacional; desde a sua chegada à região no tempo do Brasil Colônia, mandados
pela Casa da Torre, o que foi patenteado em conferências, livros, jornais e revistas.
Para tirar dúvidas, relaciono bibliografia sobre Piancó e a Coluna, fundados em
documentos existentes em arquivos públicos,
Acontece que os opositores dos Leite Ferreira, até os anos
80 do século passado, poucos nomes ofereceram como ocupantes de cargos eletivos
ou administrativos que ilustrassem a galeria dos notáveis na his-tória local.
Somente o Padre Aristides Ferreira da Cruz, filho de outra cidade, intentou
sustentar a oposição, acolitado graciosamente por opor-tunistas, em virtude do
candidato a governador apoiado pelos Leite Fer-reira, o Monsenhor Walfredo, ter
perdido a eleição em 1915. O padre Aristides foi um acidente de mau augúrio na
história de Piancó. Mas a situação local revelava-se sempre solidária com os
Leite Ferreira elegendo os seus candidatos.
Na
Assembléia Legislativa, desde a legislatura 1840/41 até 1991, sempre teve
assento um Leite Ferreira. Às vezes mais de um. No tempo em que exercia o
mandato de deputado estadual éramos quatro Leite Ferreira no Plenário: eu,
Ademar Leite Teotonio, Antonio Leite Montenegro e José Gayoso sucedendo o
cunhado Djalma Leite Ferreira. Também na magistratura Felizardo Leite Ferreira
Neto e outros, na Câmara Federal dr. Felizardo e dr João Leite Ferreira, no
Senado dr. Salviano Leite, no Governo do Estado e em cargos importantes na
burocracia estadual e federal estão os seus nomes. A escolha do Desembargador
José Peregrino como candidato a governador, contou com o decisivo apoio dos Leite
Ferreira de Piancó. Sem eles teria fracassado. Casado com uma sobrinha do Dr.
João Leite Ferreira, inconteste chefe de ampla região sertaneja en-volvendo os
municípios, de Piancó, Pombal e Patos, contando ainda com a solidariedade dos
Gomes de Sá, de Sousa, foi vitorioso no pleito com o apoio da valorosa família
Leite Ferreira. Mesmo em franca decadência, atualmente, três Leite Ferreira são
vereadores em Piancó.
Parabéns
Yurick, pelas sentimentais revelações sobre o seu avô, um dos ilusres filhos de
Piancó, com quem pouco convivi, mas muito admirei como artista. Quanto ao
endeusamento e glorificação do Padre Aristides que você e alguns pretendem,
digo sem medo de errar: Piancó não merece tal rebaixamento, tal despropósito,
que constitui uma traição à tradição deste povo bravo, que tem entre os de
ontem e os de hoje, legítimos e mais altruístas personagens e heróis. O padre
Aristides nem sequer era filho de Piancó. Era de outro lugar, um desajustado e
estranho no meio.
O
problema é que os Leite Ferreira mostravam-se imbatíveis, e para enfrentá-los
os adversários muitas vezes derrotados, tiveram de inventar, criar um mártir na
controvertida figura do Padre Aristides Ferreira da Cruz. Os inimigos gratuitos
queriam fazer do padre um herói, mesmo na base da mentira; usá-lo como
instrumento de uma luta inglória contra os Leite Ferreira – falseando a verdade
e a história, como de fato tentaram, e con-testo publicamente. Movia o padre
Aristides intenções sinistras, o despeito, interesses eleitoreiros; os Leite Ferreira,
pelo contrário, sustentavam a sua presença na vida local na condição de
primeiros colonizadores, do pres-tígio do trabalho nas fazendas de criação de
gado e produção agrícola, no encaminhamento da família para a educação de nível
superior, com mé-dicos e advogados, dentistas, engenheiros, destacando-se politicamente
e empresarialmente, residentes alguns no município.
Em
discurso no Senado (Ata da 181ª. Sessão, da 3ª. Sessão Le-gislativa da 4ª.
Legislatura em 11 de outubro de 1961) o senador Salviano Leite tratou deste
assunto, aparteado por outros senadores que ofereceram, por conhecimento
próprio, irrespondíveis informações sobre o caráter agressivo e irascível do
Padre Aristides. E também depoimentos de mili-tares figurantes do lamentável
combate, relatam o acontecido que custou vidas preciosas, e restabelecem a
verdade dos fatos; das bandeiras brancas, da troca de mensagens, da fuzilaria
traiçoeira.
O
que resta comprovado extreme de dúvidas, é que o padre Aristides provocou
levianamente o confronto. Quanto ao seu heroísmo, tal não me impressiona,
porque não existiu. Ele era um desajustado, em conflito com Igreja Católica,
réu condenado pela legislação canônica, feroz defensor de privilégios. É
verdadeiramente uma figura de nenhuma importância do ponto de vista da ética
social, política e religiosa. Pelo contrário. Somente um pretenso coronel
protetor de cangaceiros como tantos, no estilo da época. Não passava disto. E o
que é pior, envolvido em negócios com personagens escusos que proliferavam nas
feiras, no comercio de gado, de animais. Todos conhecem e alguns remendaram a
“história do boi lavrado”.
Desculpe-me
as alegações que faço como um dever em prol da verdade, que tem sido falseada
ao longo dos anos. Os que ficam do outro lado não defendem a honra, a história
de Piancó. São simples e despeitados inimigos gratuitos da família Leite
Ferreira. Inimigos da verdade.
Eilzo Matos – 12/6/2010
.........................................
Numerosos
são os títulos que formam a bibliografia sobre a Coluna Miguel Costa / Prestes / Djalma Dutra /
Siqueira Campos / Cordeiro de Farias /
Juarez Távora, congregando militares do exército brasileiro, como fato
político e marcha militar, inspirada na chamada “rebeldia dos tenentes” contra
ato de punição imposta pelo presidente Epitácio Pessoa ao Marechal Hermes da
Fonseca, responsabilizado por intervenção política indevida junto a comandos militares. Sobre a
resistência oferecida à passagem da Coluna na cidade de Piancó, na Paraíba,
apenas três obras acabadas a descrevem, revelando no depoimento dos que viveram
e depuseram sobre o fato, a verdade inteira.
a)
Os
Mártires de Piancó, 1ª. Edição, Padre Manoel Otaviano – Editora Teone,
1954,João Pessoa PB
b)
A
Coluna Prestes na Paraíba, 2ª. Edição Padre Manoel Otaviano – João Pessoa PB
c)
A
Coluna Prestes e a Paraíba – Lucia de Fátima Guerra Ferreira – UFPB
d)
Lutas
e Resistências, pág. 157, A Coluna Prestes na Paraíba –José Octávio de Arruda
Melo
e)
Meio
Século de Combate – Cordeiro de Farias, Editora Nova Fronteira, 1981
f)
A
Coluna Prestes – Nelson Werneck Sodré, Ed Civilização Brasileira
g)
A
Coluna Prestes – Neill MacCaulay – Difel Editora
h)
História
do Brasil – Tenentismo, Helio Silva
i)
A
Coluna Prestes, Marchas e Combates -
Lourenço Moreira Lima – Autor Nacional, Cultura Brasileira – Anais do
Senado e da Câmara dos Deputados
j)
A
Coluna Prestes, 2ª. Edição, Anita Leocádia Prestes, Editora Brasiliense.
k)
A
Vida do Coronel Arruda – Cangaceirismo e Coluna Prestes – Ed. Riográfic, João
Pessoa 1989