quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Recebi de Zilde e repasso

Televisão: fábrica de mais-valia ideológica

A televisão é uma usina ideológica. Gera milhares de megawatts de ideologia a cada programa, por mais inocente que pareça ser. E ideologia como definiu Marx: encobrimento da realidade, engano, ilusão, falsa consciência. Então, se considerarmos que a maioria da população latino-americana, aí incluída a brasileira, se informa e se forma através desse veículo, pensá-la e analisá-la deveria ser tarefa intelectual de todo aquele que pensa o mundo. Afinal, como bem afirma Chomsky, no seu clássico “Os Guardiões da Liberdade”, os meios atuam como sistema de transmissão de mensagens e símbolos para o cidadão médio. “Sua função é de divertir, entreter e informar, assim como inculcar nos indivíduos os valores, crenças e códigos de comportamento que lhes farão integrar-se nas estruturas institucionais da sociedade”. Não é sem razão que bordões, modas e gírias penetram nas gentes de tal forma que a reprodução é imediata e sistemática.

Um termômetro dessa usina é a famosa “novela das oito”, que consolidou um lugar no imaginário popular desde os anos 60, com a extinta Tupi, foi recuperado com maestria pela Globo e vem se repetindo nos demais canais. O horário nobre é usado pela teledramaturgia para repassar os valores que interessam à classe dominante, funcionando como uma sistemática propaganda que visa a manutenção do estado de coisas. É clássica, nos folhetins, a eterna disputa entre o bem e o mal, o pobre e o rico, com clara vinculação entre o bem e o rico. Sempre há um empresário bondoso, uma empresária generosa, um fazendeiro de grande coração, que são os protagonistas. E, se a figura principal começa a novela como pobre é certo que, por sua natural bondade, chegará ao final como uma pessoa rica e bem sucedida, porque o que fica implícito que o bem está colado à riqueza, vide a Griselda de Fina Estampa, a novela da vez.

Outro elemento bastante comum nas novelas é o da beleza da submissão. Como os protagonistas são sempre pessoas ricas, eles estão obviamente cercados dos serviçais, que, no mais das vezes os amam e são muito “bem-tratados” pelos patrões. Logo, por conta disso, agem como fiéis cães de guarda. Um desses exemplos pode ser visto atualmente na novela global. É o empregado-amigo (?) da vilã Tereza Cristina. Ele atua na casa da milionária como um mordomo, cúmplice, saco de pancadas, dependendo do humor da mulher. Ora ela lhe conta os dramas, ora lhe bate na cara, ora lhe ameaça tirar tudo o que já lhe deu. E ele, premido pela necessidade, suporta tudo, lambendo-lhe as mãos como um cachorrinho amestrado. Tudo é tão sutil que não há quem não se sinta encantado pelo personagem. Ele provoca o riso e a condescendência, até porque ainda é retratado de forma caricata como um homossexual cheio de maneios, trejeitos e extremamente servil.

Mas, se o servilismo de Crô pode ser questionado pela profunda afetação, outros há que aparecem ainda mais sutis. É o caso da turma da praia que, na pobreza, hostilizava Griselda e, agora, depois que ela ficou rica, passou para o seu lado, vindo inclusive trabalhar com a faz-tudo, assumindo de imediato a postura de defensores e amigos fiéis. Ou ainda a relação dos demais trabalhadores com os patrões “bonzinhos”, como é o caso do Paulo, o Juan, o homem da barraquinha de sucos, e o Renê. Todos são “amigos” e fazem os maiores sacrifícios pelos patrões, reforçando a ideia de que é possível existir essa linda conciliação de classe na vida real. O grupo que atua com o cozinheiro Renê, por exemplo, foi demitido pela vilã, não recebeu os salários, viveu de brisa por um tempo e retomou o trabalho com o antigo chefe por pura bem-querença. Coisa de chorar.

Nesses folhetins também os preconceitos que interessam aos dominantes acabam reforçados sob a faceta de “promoção da democracia”. O negro já não aparece apenas como bandido, mas segue sendo subalterno. No geral faz parte do núcleo pobre, mas é generoso e sabe qual é o “seu lugar”. É o caso do ético funcionário da loja de motos. Um bom rapaz, que, no máximo, pode chegar a gerente da loja. As pessoas que discutem uma forma alternativa de viver aparecem como gente “sem-noção”, no mais das vezes caricaturada, como é o caso da garota que prevê o futuro, a mulher negra que era bruxa, o rapaz que brinca com fogo ou os donos da pousada que em nada se diferem de empresários comuns, a não ser nas roupas exotéricas. Ou o personagem do Zé Mayer, numa antiga novela, que via discos voadores, não aceitava vender suas terras e, no final, “fica bom”, entregando sua propriedade para a empresária boazinha que era dona de uma papeleira. Os homossexuais também encontram espaço nas novelas, dentro da lógica da “democratização”, mas continuam sendo retratados de forma folclórica, como é o caso do Crô, na novela das oito, ou do transexual da novela das sete. Já o índio, como é invisível na vida real, tampouco tem vez nas tramas novelistas e quando tem, como a novela protagonizada por Cléo Pires, vem de forma folclórica e desconectada da vida real. E assim vai...

Gente há que fica indignada com os modelos que as telenovelas reproduzem ano após ano, mas essa é realidade real. Os folhetins nada mais fazem do que reforçar as relações de produção consolidadas pelo sistema capitalista. Até porque são financiados pelo capital, fazendo acontecer aquilo que Ludovico Silva chama de “mais-valia ideológica”. Ou seja, a pessoa que está em casa a desfrutar de uma novela, na verdade segue muito bem atada ao sistema de produção dessa sociedade, consumindo não só os produtos que desfilam sob seu olhar atento, enquanto aguardam o programa favorito, mas também os valores que confirmam e afirmam a sociedade atual. Prisioneira, a pessoa permanece em estado de “produção”, sempre a serviço da classe dominante. Assim, diante da TV – e sem um olhar crítico - as pessoas não descansam, nem desfrutam.

É certo que a televisão e os grandes meios não definem as coisas de forma automática. Como bem já explicou Adelmo Genro, na sua teoria marxista do jornalismo, os meios de comunicação também carregam dentro deles a contradição e vez ou outra isso se explicita, abrindo chance para a visão crítica. Momentos há em que os estereótipos aparecem de maneira tão ridícula que provocam o contrário do que se pretendia ou personagens adquirem tanta força que provocam um explodir da consciência. E, nesses lampejos, as pessoas vão fazendo as análises e podem refletir criticamente. Mas, de qualquer forma, esses momentos não são frequentes nem sistemáticos, o que só confirma a função de fabricação de consenso que é reservada aos meios. Um caso interessante é o do transexual que está sendo retratado na novela da Record, que passa às dez horas. “Dona Augusta” é nascida homem e se faz mulher, sem a folclorização do que é retratado na Globo. É “descoberta” pelo filho que a interna como louca. Toda a discussão do tema é muito bem feita pelos autores, sem estereótipos, sem falsa moral. Mas, é a TV dos bispos evangélicos, que, por sua vez, na vida real pregam a homossexualidade como “doença”. São as contradições.
De qualquer sorte, a teledramaturgia brasileira deveria ser bem melhor acompanhada pelos sindicatos e movimentos sociais. E cada um dos personagens deveria ser analisado naquilo que carrega de ideologia. Não para ensinar aos que “não sabem”, mas para dialogar com aqueles que acabam capturados pelo véu do engano. Assim como se deve falar do que silencia nos meios, o que não aparece, o que não se explicita, também é necessário discutir sobre o que é inculcado, dia após dia, como a melhor maneira de se viver. Pois é nesse entremeio de coisas ditas, malditas e não ditas, que o sistema segue fabricando o consenso, sempre a favor da classe dominante.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Ronaldo Cunha Lima


RONALDO CUNHA LIMA, POETA DE SALA E QUARTO

Eilzo MATOS

Muito nos conhecemos, de muito tempo. Falo do poeta Ronaldo Cunha Lima. Poucas, todavia, foram as oportunidades de encontro com celebrações clássicas no estilo campinense  ─ varando noites e dias, ditando normas, institucionalizando comportamento. Sabíamos da existência um do outro, da identidade das nossas idéias sobre a política e a estética. E marchamos por caminhos que o tempo traçou em itinerários diferentes, no campo das realizações humanas, no caso a militância política e intelectual. Mas sabíamos um do outro, repito, e nos referíamos cada um ao outro, na sincera asserção de uma vivência pretendida, plena de romarias e comemorações.  Os nossos sentimentos, a nossa busca comum, nasceram em Campina, a origem de tudo, daí o toque de imortalidade. Veja as coisas como são.
 Campina Grande tem para mim um significado profundo, inusitado para alguns, mas formador de um dominante estado de consciência na minha vida. Vou ser franco mesmo. Sou mais campinense roxo do que Cleidson Tejo e Agnelo Amorim. Quando chego lá eu sinto. Estou em casa. Seria influência do grandiloquente condoreiro Orlando Tejo, das calçadas da Maciel Pinheiro ─ o lazer da época ─ ou “campinismo” mesmo, como zombam os despeitados do litoral?  
 Entre outras cidades considero Campina maior e melhor, dada a sua localização histórico-geográfica num vasto mundo novo que não ignora as conquistas do velho; privilegiada pela sua população contemplada com o tempero de origens em todos os continentes, honestamente, humanamente vivenciadas; possuidora de nomeada na expressão dos seus heróis do trabalho, dos seus artífices e filósofos construtores dos monumentos do conhecimento humano, feitos de pedra e de idéias. Pouco? O mundo inteiro, toda a vida social conhecida abriga-se nessas condições circunstanciais, nessas teses evidenciadas. É a Campina de Ronaldo que se ergue, distanciando-se inalcançável, inimitável.
Passado algum tempo sempre volto a Campina onde fui aluno do colégio de Padre Emídio, o lembrado Pio XI dos anos Cinqüenta. Não volto para o impossível reencontro boêmio com Eduardo Ramires, Deodato Borges, Perico, Palmeiras Guimarães, mais e mais poetas, e o incomparável vate e poliglota Oinotna Sevla Searom (anagrama de Antonio Alves Moraes, ─ como ele gostava e se assinava) garçom do “Ponto Chic”.
                    Na busca do aprendizado da língua e do falar nipônicos  ─ refiro-me ao vate poliglota, ─ ele foi estagiário sem remuneração nos navios de pesca japoneses, fundeados no porto de Cabedelo, e por fim, burocrata civil de uma repartição militar. Está aí o modelo sem sorte de um poeta que viveu de reboladas grande parte de sua vida. E o que é pior, ignorado pela cultura oficial que lhe tem negado qualquer referência. Faz-se necessário que outro Orlando o faça real e verdadeiro, como outro o fez com Zé Limeira. No caso o atinado Gonzaga Rodrigues, seu colega de quarto, que ouvi declamar em tupi, numa mesa do Café São Braz, os versos de Gonçalves Dias “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá...”  vertidos para o idioma índio pelo comentado bardo.
 Para explicar Ronaldo, recorro a aspectos da imagem deste poeta que falava lia e traduzia alemão, espanhol, inglês, francês, latim, italiano, grego, também esperanto e tupi que lecionava gratuitamente (tudo aprendido em Campina), sem atentar para a tragédia pessoal do amanuense Policarpo Quaresma que sofreu e desapareceu nos desvãos do destino e da vida ─ uma criação de fato imortal do nosso Lima Barreto. Desafio personalidade alhures, no mundo que se equipare a Oinotna. Falou-me um amigo que ele faleceu em conseqüência de espancamento, sofrido em luta desigual, disputando com altivez e coragem o amor de uma dama numa das agitadas ruas da periferia local. Faltaram-lhe os bálsamos encantados, que sempre restituíam ao imba-tível Quixote, a vida prestes a esgotar-se em duelos mortais com desaforados cavaleiros.
 Oinotna era assim, poeta de sala e quarto ─ político e amante, como Ronaldo. Atencioso, polido, com o traço pessoal dos dentes superiores meio projetados para fora, donairoso entre os notáveis, brilhava no seu en-fatuamento tragicômico de paletó e gravata, a estatura pequena, o olhar sereno, o riso sincero. Ele tipifica Campina na auto-realização do seu mito, imortal como a Hidra mitológica, apesar da tragédia inexorável que avassala o mundo e a envolve, que alcança o Poeta de Sala e Quarto. Mas a tríade Oinotna/Campina/Ronaldo, ocupa, esgota todas as possibilidades.
Eu e Ronaldo, como dizia no início, continuamos distanciados apesar de tão próximos, é a triste verdade. Tal como eu, ele sempre retorna a Campina na busca do seu Graal, e nos perdemos na volta, pois não se encontra nada do que se deixou, do que se viveu, contrariando a sentença do ficcionista conterrâneo José Américo  ─ um gigante da política e das letras ─ que falava certamente das trilhas, dos caminhos. A minha memória campinense guarda, todavia, a legenda do “soneto do chapéu preto” de Asfora, do “hábeas-pinho” impetrado nos versos de um despachado humor lírico ronaldino, que criou estilo e marcou época em territórios vários, com a verve incomparável dos seus ditos e não ditos, em sala e quarto ─  ele poeta sumamente ubíquo, assim podemos denominá-lo, qualificá-lo, apelidarmos. E o seu antológico soneto  Não existe vida inteira” (à maneira de posfácio do romance “O Silêncio do Delator” de José Neumanne Pinto) de uma profundidade inegavelmente filosófica que poucos alcançaram, o consagra. Copio o terceto final:
 A vida tem capítulos e fases. /  Pecisamos apenas ser capazes /  de unificá-los numa só história.”
 Ronaldo vergou fisicamente, cedo, porque procurou sustentar nas costas o peso de toda a poesia e de todo o sentimento do mundo, de que falava o vate itabirano. Correu mundos expulso de sua terra, tangido pelo arbítrio de um governo militar, perseguido pela intolerância dos esbirros remunerados, ele sempre altivo e feliz na luta pelas suas idéias políticas, pela sobrevivência, vitorioso sempre.
 Afastado da leitura, morando no mato, eu não acreditava nos seus livros de que ouvia falar, Para mim, ao escutar os ecos e vozes dos seus versos, ele era um poeta de gênio, mas eminentemente verbal, vexado, que improvisava, porém não escrevia poesia. Não lhe sobrava tempo. Seria como os nossos irmãos violeiros e repentistas, um Inácio da Catingueira, um Pinto do Monteiro ─ e no contexto e textos que demandam a nossa tradição cultural, a nossa história ocidental ─ o nosso Homero da Borborema.
 Eis que um livro seu me chegou às mãos, com um atraso de treze anos. Não a esperada epopéia. Poesia anacreôntica, isto sim, dominada pelo erotismo báquico de suas canções, o lirismo sensual de epitalâmios. Falo de ”Poemas de Sala e Quarto.” E o traço barroco-sensual das ilustrações de Flávio Tavares, um incontestável gênio do desenho e da pintura, cumpre o objetivo da obra poética, completa os propósitos do autor, Comprei-o em liquidação na Livraria Universitária na praça ao lado do antigo Capitólio. Que obra! Perdoem-me os despeitados, os tipos rebarbativos que flutuam nos salões com o risco de pipocarem como bolinhas coloridas que enfeitam festas infantis.
Para falar sobre o seu livro, evito a tentação do método de Jakobson, na análise sobre Lês Chats de Beaudelaire, reduzindo à coordenação das proposições da língua, faces do poema que interessam à sociedade e à história, diferentemente de Carpeaux que revelou as transformações e transfigurações que sofreram a imagem do poeta ”vase de tristese, ó grand taciturne”, nos olhos da posteridade, e do prefaciador Nêumanne nos comentários buscando nos domínios da literatura comparada a explicação do poeta Ronaldo de Campina.
Aventuro-me na tentativa de anunciar uma nova técnica de expressão poética, aliás, corriqueira no gênero. O escritor Ricardo Soares comentando Ronaldo, socorre-me, afirma que “a verdadeira poesia é diferente para cada poeta em cada momento... inspiração, experiência, confissão, lembrança, conhecimento, um sistema coerente de pensamento, sutil música verbal.” Encontro algo parecido, nas sentenças breves contidas no estilo-modelo hai-cai que nos oferecem os filhos do País do Sol Nascente, no modo rocambolesco, misterioso e investigativo de Chordelos de Laclos, na lascívia oriental de Omar Kayan, no socialismo stakhanovista de Vladimir Maiakovski e mais inventores e criadores que passeiam entre os gregos, romanos e levantinos, com as mais variadas técnicas do verso, praticadas e aceitas, algo poudiano; e a adequação da língua, nas variações da sua prosódia ajustando as idéias à melodia de um texto aforístico, prazeiroso pelo seu lirismo, erudito pelo seu conteúdo. Eis os segmentos apotegmáticos de Poemas de Sala e Quarto.
“– Na sala / eu sou ¼./  No quarto/ eu sou inteiro,”
Jacta-se o poeta. Verdade ou mentira? Fingimento? Dissimulação? Algo sofrido? Como descobrir les liaisons dangereuses que escondem as suas palavras? Simplesmente jogo de palavras? Ah! Como os poetas se conhecem. Pessoa bem que o afirmou:
O poeta é um fingidor… /  E os que lêem o que escreve/ Na dor lida sentem bem/ Não as duas que ele teve / Mas só a que eles  não têm.”
Em Ronaldo o apetite sexual parece uma eterna busca. “Poemas de Sala e Quarto” o confirma. Ele deseja estender até ao mundo dos inanimados, das coisas materiais a incontida ânsia dos seus desejos:
 Se nossos chinelos vissem/ sobre a cama os travesseiros/ talvez até decidissem/ sob a cama ser parceiros.”
Mas carrega as suas estações de dolorosa parada para reflexão. Ronaldo é um poeta ligado a um momento da história política paraibana, nacional. Não tenho coragem de dizer, de julgar o que mais o distingue ao longo de sua vida. Como acertar, se ele dissimula e finge? Uma condição explícita o caracteriza, e todos concordarão: foi o poeta político que disputava eleições, fez oposição ao regime militar, na Paraíba e por onde andou. Lutou, não cedeu, venceu. Maiakovski, entre todos os títulos, consagra-o o de “poeta da revolução russa.”
Muito pior, com certeza/ que uma sala sem mesa/ é uma mesa sem pão.” 
Sua mente não repousava. Muito ainda resta para falar sobre Ronaldo e Oinotna para completar o ciclo da vida: a severidade e a alegria, os lauréis e as palmas. Campina rediviva.
Quero deixar claro.
Vi a luz da vida em Sousa, onde nasci, falo com orgulho. Em Campina recebi os raios dos conhecimentos acumulados pela sociedade, descobri a prática da invenção, da construção, da criação, da imitação com os seus perigos inerentes. De Sousa guardo a memória do aprendizado, do espanto com os fatos da vida, destruindo já a inenarrável memória da infância; de Campina a descoberta do colóquio libidinoso dos poetas com os leitores, com o mundo  ─ que permanece dominante nas reflexões inevitáveis. O amor e a guerra entrelaçados.
Campina nada deve a Dublin nem a Londres, a Paris nem a Boston, a Pequim nem a Moscou. As pessoas e a sociedade cumprem as mesmas tarefas. Nada as distingue, exceto o nome dos narradores de suas trilhas aventurosas ─ inevitável mesmice das tragédias e comédias. Nada existe de novo debaixo do sol, adverte a sabedoria bíblica. Com efeito, não dá para rememorar tudo, conferir tudo. Por isso identifico no campinense Ronaldo, um criador entre tantos, um metingueiro que insiste em viver na rua, e se esconde, hoje, convocado pelo Olimpo para ocupar o seu lugar no Parnaso.
Ninguém melhor do que Ronaldo entoa o profético cantar dos poetas de que falou Pound, criando, inventando estilos e formas.
Impõe-se, no caso, numa leitura crítica e comparativa de Ronaldo, uma releitura de O EU PROFUNDO E OUTROS EUS, de Fernando Pessoa, e de POESIA, de T. S. Eliot, em tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Surpresa?
A poesia no seu conteúdo, na sua forma deve a sua expressão à emoção, sublinho. Assim entendem T.S. Eliot e Fernando Pessoa. Vou transcrevê-los, adiante, em apoio às minhas afirmações.
 A emoção. Dorme no cérebro, no fundo da consciência, nos neurônios para falar moderno, esse poderoso sentimento, até que despertado, caracteriza o fazer humano. A arte é profundamente emocional. A leitura dos versos destes dois poetas transmite-nos esta certeza; mas, igualmente racional e intencional, se atentarmos para o “vanguardismo” técnico presente nas suas obras.
A arte poética, todavia, não se esgota na renovação formal.
Fernando Pessoa escreveu: “Um poema é a projeção de uma idéia em palavras através da emoção. A emoção não é a base da poesia: é tão somente o meio de que a idéia se serve para se reduzir a palavras.”
Escritura de Eliot: “The only way of expressing emotion in the form of art is by finding an objective correlative; in other words, a set of projects, a situation, a chain of events which shall be the formula of particular emotion.”
Pessoa fala em “emocionalizar o pensamento”, e Eliot assinala “the intensity of the artistic process.”
O tema oferece-se, portanto, para uma análise de aproximação da técnica de construção poética, que encontramos nas variações estilísticas e temáticas de Ronaldo, arrebatado pela emoção, poeta capaz de cantar baixinho, de chorar e de explodir em gritos tonitruantes, no caudal da emoção, admito, que é o seu estado e espírito. 
Poetas, historiadores, romancistas, estadistas. Toynbee, Proust, Confúcio, Hitler, Onassis, Rockfeller, Robin Hood, tivemos os nossos. Apenas os nomes diferem, repito, tanto dos escritores como dos personagens, humanos sempre. Consultem Dinoá com seus retratos ao vivo, Josué Sylvestre com as suas revelações biográficas interpretativas, Epitácio Soares e Elpídio de Almeida com as suas fontes e o seu estilo paroquiais, e tantos e tantos, e lá encontrarão os generais, os capitães de negócios, foliculários e tratadistas eruditos, que viveram ou vivem ainda em Campina. Vejo e sinto no que digo verdades verdadeiras, constatadas irretorquivelmente. E Ronaldo as encarna multifacetariamente.
Não dá para falar isoladamente de pessoas na construção dos mitos que Campina propiciou, numa caracterização do sonho grego de uma civi-lização universal que se tornou única e insuperável. Tratemos de famílias e de tipos, de indústrias, no sentido de destreza, engenho e arte, que a notabilizaram, campinense na essência, enfim..
Conhecemos os Lauritzen, Figueiredo, Almeida, Cabral, Gaudêncio, Habib, Chabo, Procópio, Luna, Tejo, Cunha Lima, Asfora, Barreto, Rique, Amorim, Celino, Mota, Agra, do Ó, Hamad, Wanderley, Dantas, Rego, Pinto, Soares, Afonso Campos, e outros e outros, e os tipos e as personalidades inconfundíveis de Ataliba Arruda, Otávio Amorim, Pinta Cega, Mário Araújo, Zeca Chabo, Zefa Tributino, Nathanael Belo, Moacir Tié, Paizinho, Dona Irene, Fausto Alfaiate, Maciel Malheiro, Oliveiros Oliveira, Soares, Seu Muniz, Moço Amorim, Antonio Bioca, Nereu do Cartório, Giseuda Moreira,  dr. Zé Arruda e Manoel Pé de Rotor, as rádio Cariri, Borborema e Caturité e tantos e tantos, ah! Imperdoáveis omissões. No tocante à ideologias e proselitismo, tivemos o comunista Peba que nunca esteve em Moscou em oposição a um empresário Barreto que falava inglês e morou nos Estados Unidos. Paremos no começo.
                                                        Sousa, janeiro de 2006.

Ronaldo Cunha Lima


RONALDO CUNHA LIMA, POETA DE SALA E QUARTO

Eilzo MATOS

Muito nos conhecemos, de muito tempo. Falo do poeta Ronaldo Cunha Lima. Poucas, todavia, foram as oportunidades de encontro com celebrações clássicas no estilo campinense  ─ varando noites e dias, ditando normas, institucionalizando comportamento. Sabíamos da existência um do outro, da identidade das nossas idéias sobre a política e a estética. E marchamos por caminhos que o tempo traçou em itinerários diferentes, no campo das realizações humanas, no caso a militância política e intelectual. Mas sabíamos um do outro, repito, e nos referíamos cada um ao outro, na sincera asserção de uma vivência pretendida, plena de romarias e comemorações.  Os nossos sentimentos, a nossa busca comum, nasceram em Campina, a origem de tudo, daí o toque de imortalidade. Veja as coisas como são.
 Campina Grande tem para mim um significado profundo, inusitado para alguns, mas formador de um dominante estado de consciência na minha vida. Vou ser franco mesmo. Sou mais campinense roxo do que Cleidson Tejo e Agnelo Amorim. Quando chego lá eu sinto. Estou em casa. Seria influência do grandiloquente condoreiro Orlando Tejo, das calçadas da Maciel Pinheiro ─ o lazer da época ─ ou “campinismo” mesmo, como zombam os despeitados do litoral?  
 Entre outras cidades considero Campina maior e melhor, dada a sua localização histórico-geográfica num vasto mundo novo que não ignora as conquistas do velho; privilegiada pela sua população contemplada com o tempero de origens em todos os continentes, honestamente, humanamente vivenciadas; possuidora de nomeada na expressão dos seus heróis do trabalho, dos seus artífices e filósofos construtores dos monumentos do conhecimento humano, feitos de pedra e de idéias. Pouco? O mundo inteiro, toda a vida social conhecida abriga-se nessas condições circunstanciais, nessas teses evidenciadas. É a Campina de Ronaldo que se ergue, distanciando-se inalcançável, inimitável.
Passado algum tempo sempre volto a Campina onde fui aluno do colégio de Padre Emídio, o lembrado Pio XI dos anos Cinqüenta. Não volto para o impossível reencontro boêmio com Eduardo Ramires, Deodato Borges, Perico, Palmeiras Guimarães, mais e mais poetas, e o incomparável vate e poliglota Oinotna Sevla Searom (anagrama de Antonio Alves Moraes, ─ como ele gostava e se assinava) garçom do “Ponto Chic”.
                    Na busca do aprendizado da língua e do falar nipônicos  ─ refiro-me ao vate poliglota, ─ ele foi estagiário sem remuneração nos navios de pesca japoneses, fundeados no porto de Cabedelo, e por fim, burocrata civil de uma repartição militar. Está aí o modelo sem sorte de um poeta que viveu de reboladas grande parte de sua vida. E o que é pior, ignorado pela cultura oficial que lhe tem negado qualquer referência. Faz-se necessário que outro Orlando o faça real e verdadeiro, como outro o fez com Zé Limeira. No caso o atinado Gonzaga Rodrigues, seu colega de quarto, que ouvi declamar em tupi, numa mesa do Café São Braz, os versos de Gonçalves Dias “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá...”  vertidos para o idioma índio pelo comentado bardo.
 Para explicar Ronaldo, recorro a aspectos da imagem deste poeta que falava lia e traduzia alemão, espanhol, inglês, francês, latim, italiano, grego, também esperanto e tupi que lecionava gratuitamente (tudo aprendido em Campina), sem atentar para a tragédia pessoal do amanuense Policarpo Quaresma que sofreu e desapareceu nos desvãos do destino e da vida ─ uma criação de fato imortal do nosso Lima Barreto. Desafio personalidade alhures, no mundo que se equipare a Oinotna. Falou-me um amigo que ele faleceu em conseqüência de espancamento, sofrido em luta desigual, disputando com altivez e coragem o amor de uma dama numa das agitadas ruas da periferia local. Faltaram-lhe os bálsamos encantados, que sempre restituíam ao imba-tível Quixote, a vida prestes a esgotar-se em duelos mortais com desaforados cavaleiros.
 Oinotna era assim, poeta de sala e quarto ─ político e amante, como Ronaldo. Atencioso, polido, com o traço pessoal dos dentes superiores meio projetados para fora, donairoso entre os notáveis, brilhava no seu en-fatuamento tragicômico de paletó e gravata, a estatura pequena, o olhar sereno, o riso sincero. Ele tipifica Campina na auto-realização do seu mito, imortal como a Hidra mitológica, apesar da tragédia inexorável que avassala o mundo e a envolve, que alcança o Poeta de Sala e Quarto. Mas a tríade Oinotna/Campina/Ronaldo, ocupa, esgota todas as possibilidades.
Eu e Ronaldo, como dizia no início, continuamos distanciados apesar de tão próximos, é a triste verdade. Tal como eu, ele sempre retorna a Campina na busca do seu Graal, e nos perdemos na volta, pois não se encontra nada do que se deixou, do que se viveu, contrariando a sentença do ficcionista conterrâneo José Américo  ─ um gigante da política e das letras ─ que falava certamente das trilhas, dos caminhos. A minha memória campinense guarda, todavia, a legenda do “soneto do chapéu preto” de Asfora, do “hábeas-pinho” impetrado nos versos de um despachado humor lírico ronaldino, que criou estilo e marcou época em territórios vários, com a verve incomparável dos seus ditos e não ditos, em sala e quarto ─  ele poeta sumamente ubíquo, assim podemos denominá-lo, qualificá-lo, apelidarmos. E o seu antológico soneto  Não existe vida inteira” (à maneira de posfácio do romance “O Silêncio do Delator” de José Neumanne Pinto) de uma profundidade inegavelmente filosófica que poucos alcançaram, o consagra. Copio o terceto final:
 A vida tem capítulos e fases. /  Pecisamos apenas ser capazes /  de unificá-los numa só história.”
 Ronaldo vergou fisicamente, cedo, porque procurou sustentar nas costas o peso de toda a poesia e de todo o sentimento do mundo, de que falava o vate itabirano. Correu mundos expulso de sua terra, tangido pelo arbítrio de um governo militar, perseguido pela intolerância dos esbirros remunerados, ele sempre altivo e feliz na luta pelas suas idéias políticas, pela sobrevivência, vitorioso sempre.
 Afastado da leitura, morando no mato, eu não acreditava nos seus livros de que ouvia falar, Para mim, ao escutar os ecos e vozes dos seus versos, ele era um poeta de gênio, mas eminentemente verbal, vexado, que improvisava, porém não escrevia poesia. Não lhe sobrava tempo. Seria como os nossos irmãos violeiros e repentistas, um Inácio da Catingueira, um Pinto do Monteiro ─ e no contexto e textos que demandam a nossa tradição cultural, a nossa história ocidental ─ o nosso Homero da Borborema.
 Eis que um livro seu me chegou às mãos, com um atraso de treze anos. Não a esperada epopéia. Poesia anacreôntica, isto sim, dominada pelo erotismo báquico de suas canções, o lirismo sensual de epitalâmios. Falo de ”Poemas de Sala e Quarto.” E o traço barroco-sensual das ilustrações de Flávio Tavares, um incontestável gênio do desenho e da pintura, cumpre o objetivo da obra poética, completa os propósitos do autor, Comprei-o em liquidação na Livraria Universitária na praça ao lado do antigo Capitólio. Que obra! Perdoem-me os despeitados, os tipos rebarbativos que flutuam nos salões com o risco de pipocarem como bolinhas coloridas que enfeitam festas infantis.
Para falar sobre o seu livro, evito a tentação do método de Jakobson, na análise sobre Lês Chats de Beaudelaire, reduzindo à coordenação das proposições da língua, faces do poema que interessam à sociedade e à história, diferentemente de Carpeaux que revelou as transformações e transfigurações que sofreram a imagem do poeta ”vase de tristese, ó grand taciturne”, nos olhos da posteridade, e do prefaciador Nêumanne nos comentários buscando nos domínios da literatura comparada a explicação do poeta Ronaldo de Campina.
Aventuro-me na tentativa de anunciar uma nova técnica de expressão poética, aliás, corriqueira no gênero. O escritor Ricardo Soares comentando Ronaldo, socorre-me, afirma que “a verdadeira poesia é diferente para cada poeta em cada momento... inspiração, experiência, confissão, lembrança, conhecimento, um sistema coerente de pensamento, sutil música verbal.” Encontro algo parecido, nas sentenças breves contidas no estilo-modelo hai-cai que nos oferecem os filhos do País do Sol Nascente, no modo rocambolesco, misterioso e investigativo de Chordelos de Laclos, na lascívia oriental de Omar Kayan, no socialismo stakhanovista de Vladimir Maiakovski e mais inventores e criadores que passeiam entre os gregos, romanos e levantinos, com as mais variadas técnicas do verso, praticadas e aceitas, algo poudiano; e a adequação da língua, nas variações da sua prosódia ajustando as idéias à melodia de um texto aforístico, prazeiroso pelo seu lirismo, erudito pelo seu conteúdo. Eis os segmentos apotegmáticos de Poemas de Sala e Quarto.
“– Na sala / eu sou ¼./  No quarto/ eu sou inteiro,”
Jacta-se o poeta. Verdade ou mentira? Fingimento? Dissimulação? Algo sofrido? Como descobrir les liaisons dangereuses que escondem as suas palavras? Simplesmente jogo de palavras? Ah! Como os poetas se conhecem. Pessoa bem que o afirmou:
O poeta é um fingidor… /  E os que lêem o que escreve/ Na dor lida sentem bem/ Não as duas que ele teve / Mas só a que eles  não têm.”
Em Ronaldo o apetite sexual parece uma eterna busca. “Poemas de Sala e Quarto” o confirma. Ele deseja estender até ao mundo dos inanimados, das coisas materiais a incontida ânsia dos seus desejos:
 Se nossos chinelos vissem/ sobre a cama os travesseiros/ talvez até decidissem/ sob a cama ser parceiros.”
Mas carrega as suas estações de dolorosa parada para reflexão. Ronaldo é um poeta ligado a um momento da história política paraibana, nacional. Não tenho coragem de dizer, de julgar o que mais o distingue ao longo de sua vida. Como acertar, se ele dissimula e finge? Uma condição explícita o caracteriza, e todos concordarão: foi o poeta político que disputava eleições, fez oposição ao regime militar, na Paraíba e por onde andou. Lutou, não cedeu, venceu. Maiakovski, entre todos os títulos, consagra-o o de “poeta da revolução russa.”
Muito pior, com certeza/ que uma sala sem mesa/ é uma mesa sem pão.” 
Sua mente não repousava. Muito ainda resta para falar sobre Ronaldo e Oinotna para completar o ciclo da vida: a severidade e a alegria, os lauréis e as palmas. Campina rediviva.
Quero deixar claro.
Vi a luz da vida em Sousa, onde nasci, falo com orgulho. Em Campina recebi os raios dos conhecimentos acumulados pela sociedade, descobri a prática da invenção, da construção, da criação, da imitação com os seus perigos inerentes. De Sousa guardo a memória do aprendizado, do espanto com os fatos da vida, destruindo já a inenarrável memória da infância; de Campina a descoberta do colóquio libidinoso dos poetas com os leitores, com o mundo  ─ que permanece dominante nas reflexões inevitáveis. O amor e a guerra entrelaçados.
Campina nada deve a Dublin nem a Londres, a Paris nem a Boston, a Pequim nem a Moscou. As pessoas e a sociedade cumprem as mesmas tarefas. Nada as distingue, exceto o nome dos narradores de suas trilhas aventurosas ─ inevitável mesmice das tragédias e comédias. Nada existe de novo debaixo do sol, adverte a sabedoria bíblica. Com efeito, não dá para rememorar tudo, conferir tudo. Por isso identifico no campinense Ronaldo, um criador entre tantos, um metingueiro que insiste em viver na rua, e se esconde, hoje, convocado pelo Olimpo para ocupar o seu lugar no Parnaso.
Ninguém melhor do que Ronaldo entoa o profético cantar dos poetas de que falou Pound, criando, inventando estilos e formas.
Impõe-se, no caso, numa leitura crítica e comparativa de Ronaldo, uma releitura de O EU PROFUNDO E OUTROS EUS, de Fernando Pessoa, e de POESIA, de T. S. Eliot, em tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Surpresa?
A poesia no seu conteúdo, na sua forma deve a sua expressão à emoção, sublinho. Assim entendem T.S. Eliot e Fernando Pessoa. Vou transcrevê-los, adiante, em apoio às minhas afirmações.
 A emoção. Dorme no cérebro, no fundo da consciência, nos neurônios para falar moderno, esse poderoso sentimento, até que despertado, caracteriza o fazer humano. A arte é profundamente emocional. A leitura dos versos destes dois poetas transmite-nos esta certeza; mas, igualmente racional e intencional, se atentarmos para o “vanguardismo” técnico presente nas suas obras.
A arte poética, todavia, não se esgota na renovação formal.
Fernando Pessoa escreveu: “Um poema é a projeção de uma idéia em palavras através da emoção. A emoção não é a base da poesia: é tão somente o meio de que a idéia se serve para se reduzir a palavras.”
Escritura de Eliot: “The only way of expressing emotion in the form of art is by finding an objective correlative; in other words, a set of projects, a situation, a chain of events which shall be the formula of particular emotion.”
Pessoa fala em “emocionalizar o pensamento”, e Eliot assinala “the intensity of the artistic process.”
O tema oferece-se, portanto, para uma análise de aproximação da técnica de construção poética, que encontramos nas variações estilísticas e temáticas de Ronaldo, arrebatado pela emoção, poeta capaz de cantar baixinho, de chorar e de explodir em gritos tonitruantes, no caudal da emoção, admito, que é o seu estado e espírito. 
Poetas, historiadores, romancistas, estadistas. Toynbee, Proust, Confúcio, Hitler, Onassis, Rockfeller, Robin Hood, tivemos os nossos. Apenas os nomes diferem, repito, tanto dos escritores como dos personagens, humanos sempre. Consultem Dinoá com seus retratos ao vivo, Josué Sylvestre com as suas revelações biográficas interpretativas, Epitácio Soares e Elpídio de Almeida com as suas fontes e o seu estilo paroquiais, e tantos e tantos, e lá encontrarão os generais, os capitães de negócios, foliculários e tratadistas eruditos, que viveram ou vivem ainda em Campina. Vejo e sinto no que digo verdades verdadeiras, constatadas irretorquivelmente. E Ronaldo as encarna multifacetariamente.
Não dá para falar isoladamente de pessoas na construção dos mitos que Campina propiciou, numa caracterização do sonho grego de uma civi-lização universal que se tornou única e insuperável. Tratemos de famílias e de tipos, de indústrias, no sentido de destreza, engenho e arte, que a notabilizaram, campinense na essência, enfim..
Conhecemos os Lauritzen, Figueiredo, Almeida, Cabral, Gaudêncio, Habib, Chabo, Procópio, Luna, Tejo, Cunha Lima, Asfora, Barreto, Rique, Amorim, Celino, Mota, Agra, do Ó, Hamad, Wanderley, Dantas, Rego, Pinto, Soares, Afonso Campos, e outros e outros, e os tipos e as personalidades inconfundíveis de Ataliba Arruda, Otávio Amorim, Pinta Cega, Mário Araújo, Zeca Chabo, Zefa Tributino, Nathanael Belo, Moacir Tié, Paizinho, Dona Irene, Fausto Alfaiate, Maciel Malheiro, Oliveiros Oliveira, Soares, Seu Muniz, Moço Amorim, Antonio Bioca, Nereu do Cartório, Giseuda Moreira,  dr. Zé Arruda e Manoel Pé de Rotor, as rádio Cariri, Borborema e Caturité e tantos e tantos, ah! Imperdoáveis omissões. No tocante à ideologias e proselitismo, tivemos o comunista Peba que nunca esteve em Moscou em oposição a um empresário Barreto que falava inglês e morou nos Estados Unidos. Paremos no começo.
                                                        Sousa, janeiro de 2006.

Ronaldo Cunha Lima


RONALDO CUNHA LIMA, POETA DE SALA E QUARTO

Eilzo MATOS

Muito nos conhecemos, de muito tempo. Falo do poeta Ronaldo Cunha Lima. Poucas, todavia, foram as oportunidades de encontro com celebrações clássicas no estilo campinense  ─ varando noites e dias, ditando normas, institucionalizando comportamento. Sabíamos da existência um do outro, da identidade das nossas idéias sobre a política e a estética. E marchamos por caminhos que o tempo traçou em itinerários diferentes, no campo das realizações humanas, no caso a militância política e intelectual. Mas sabíamos um do outro, repito, e nos referíamos cada um ao outro, na sincera asserção de uma vivência pretendida, plena de romarias e comemorações.  Os nossos sentimentos, a nossa busca comum, nasceram em Campina, a origem de tudo, daí o toque de imortalidade. Veja as coisas como são.
 Campina Grande tem para mim um significado profundo, inusitado para alguns, mas formador de um dominante estado de consciência na minha vida. Vou ser franco mesmo. Sou mais campinense roxo do que Cleidson Tejo e Agnelo Amorim. Quando chego lá eu sinto. Estou em casa. Seria influência do grandiloquente condoreiro Orlando Tejo, das calçadas da Maciel Pinheiro ─ o lazer da época ─ ou “campinismo” mesmo, como zombam os despeitados do litoral?  
 Entre outras cidades considero Campina maior e melhor, dada a sua localização histórico-geográfica num vasto mundo novo que não ignora as conquistas do velho; privilegiada pela sua população contemplada com o tempero de origens em todos os continentes, honestamente, humanamente vivenciadas; possuidora de nomeada na expressão dos seus heróis do trabalho, dos seus artífices e filósofos construtores dos monumentos do conhecimento humano, feitos de pedra e de idéias. Pouco? O mundo inteiro, toda a vida social conhecida abriga-se nessas condições circunstanciais, nessas teses evidenciadas. É a Campina de Ronaldo que se ergue, distanciando-se inalcançável, inimitável.
Passado algum tempo sempre volto a Campina onde fui aluno do colégio de Padre Emídio, o lembrado Pio XI dos anos Cinqüenta. Não volto para o impossível reencontro boêmio com Eduardo Ramires, Deodato Borges, Perico, Palmeiras Guimarães, mais e mais poetas, e o incomparável vate e poliglota Oinotna Sevla Searom (anagrama de Antonio Alves Moraes, ─ como ele gostava e se assinava) garçom do “Ponto Chic”.
                    Na busca do aprendizado da língua e do falar nipônicos  ─ refiro-me ao vate poliglota, ─ ele foi estagiário sem remuneração nos navios de pesca japoneses, fundeados no porto de Cabedelo, e por fim, burocrata civil de uma repartição militar. Está aí o modelo sem sorte de um poeta que viveu de reboladas grande parte de sua vida. E o que é pior, ignorado pela cultura oficial que lhe tem negado qualquer referência. Faz-se necessário que outro Orlando o faça real e verdadeiro, como outro o fez com Zé Limeira. No caso o atinado Gonzaga Rodrigues, seu colega de quarto, que ouvi declamar em tupi, numa mesa do Café São Braz, os versos de Gonçalves Dias “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá...”  vertidos para o idioma índio pelo comentado bardo.
 Para explicar Ronaldo, recorro a aspectos da imagem deste poeta que falava lia e traduzia alemão, espanhol, inglês, francês, latim, italiano, grego, também esperanto e tupi que lecionava gratuitamente (tudo aprendido em Campina), sem atentar para a tragédia pessoal do amanuense Policarpo Quaresma que sofreu e desapareceu nos desvãos do destino e da vida ─ uma criação de fato imortal do nosso Lima Barreto. Desafio personalidade alhures, no mundo que se equipare a Oinotna. Falou-me um amigo que ele faleceu em conseqüência de espancamento, sofrido em luta desigual, disputando com altivez e coragem o amor de uma dama numa das agitadas ruas da periferia local. Faltaram-lhe os bálsamos encantados, que sempre restituíam ao imba-tível Quixote, a vida prestes a esgotar-se em duelos mortais com desaforados cavaleiros.
 Oinotna era assim, poeta de sala e quarto ─ político e amante, como Ronaldo. Atencioso, polido, com o traço pessoal dos dentes superiores meio projetados para fora, donairoso entre os notáveis, brilhava no seu en-fatuamento tragicômico de paletó e gravata, a estatura pequena, o olhar sereno, o riso sincero. Ele tipifica Campina na auto-realização do seu mito, imortal como a Hidra mitológica, apesar da tragédia inexorável que avassala o mundo e a envolve, que alcança o Poeta de Sala e Quarto. Mas a tríade Oinotna/Campina/Ronaldo, ocupa, esgota todas as possibilidades.
Eu e Ronaldo, como dizia no início, continuamos distanciados apesar de tão próximos, é a triste verdade. Tal como eu, ele sempre retorna a Campina na busca do seu Graal, e nos perdemos na volta, pois não se encontra nada do que se deixou, do que se viveu, contrariando a sentença do ficcionista conterrâneo José Américo  ─ um gigante da política e das letras ─ que falava certamente das trilhas, dos caminhos. A minha memória campinense guarda, todavia, a legenda do “soneto do chapéu preto” de Asfora, do “hábeas-pinho” impetrado nos versos de um despachado humor lírico ronaldino, que criou estilo e marcou época em territórios vários, com a verve incomparável dos seus ditos e não ditos, em sala e quarto ─  ele poeta sumamente ubíquo, assim podemos denominá-lo, qualificá-lo, apelidarmos. E o seu antológico soneto  Não existe vida inteira” (à maneira de posfácio do romance “O Silêncio do Delator” de José Neumanne Pinto) de uma profundidade inegavelmente filosófica que poucos alcançaram, o consagra. Copio o terceto final:
 A vida tem capítulos e fases. /  Pecisamos apenas ser capazes /  de unificá-los numa só história.”
 Ronaldo vergou fisicamente, cedo, porque procurou sustentar nas costas o peso de toda a poesia e de todo o sentimento do mundo, de que falava o vate itabirano. Correu mundos expulso de sua terra, tangido pelo arbítrio de um governo militar, perseguido pela intolerância dos esbirros remunerados, ele sempre altivo e feliz na luta pelas suas idéias políticas, pela sobrevivência, vitorioso sempre.
 Afastado da leitura, morando no mato, eu não acreditava nos seus livros de que ouvia falar, Para mim, ao escutar os ecos e vozes dos seus versos, ele era um poeta de gênio, mas eminentemente verbal, vexado, que improvisava, porém não escrevia poesia. Não lhe sobrava tempo. Seria como os nossos irmãos violeiros e repentistas, um Inácio da Catingueira, um Pinto do Monteiro ─ e no contexto e textos que demandam a nossa tradição cultural, a nossa história ocidental ─ o nosso Homero da Borborema.
 Eis que um livro seu me chegou às mãos, com um atraso de treze anos. Não a esperada epopéia. Poesia anacreôntica, isto sim, dominada pelo erotismo báquico de suas canções, o lirismo sensual de epitalâmios. Falo de ”Poemas de Sala e Quarto.” E o traço barroco-sensual das ilustrações de Flávio Tavares, um incontestável gênio do desenho e da pintura, cumpre o objetivo da obra poética, completa os propósitos do autor, Comprei-o em liquidação na Livraria Universitária na praça ao lado do antigo Capitólio. Que obra! Perdoem-me os despeitados, os tipos rebarbativos que flutuam nos salões com o risco de pipocarem como bolinhas coloridas que enfeitam festas infantis.
Para falar sobre o seu livro, evito a tentação do método de Jakobson, na análise sobre Lês Chats de Beaudelaire, reduzindo à coordenação das proposições da língua, faces do poema que interessam à sociedade e à história, diferentemente de Carpeaux que revelou as transformações e transfigurações que sofreram a imagem do poeta ”vase de tristese, ó grand taciturne”, nos olhos da posteridade, e do prefaciador Nêumanne nos comentários buscando nos domínios da literatura comparada a explicação do poeta Ronaldo de Campina.
Aventuro-me na tentativa de anunciar uma nova técnica de expressão poética, aliás, corriqueira no gênero. O escritor Ricardo Soares comentando Ronaldo, socorre-me, afirma que “a verdadeira poesia é diferente para cada poeta em cada momento... inspiração, experiência, confissão, lembrança, conhecimento, um sistema coerente de pensamento, sutil música verbal.” Encontro algo parecido, nas sentenças breves contidas no estilo-modelo hai-cai que nos oferecem os filhos do País do Sol Nascente, no modo rocambolesco, misterioso e investigativo de Chordelos de Laclos, na lascívia oriental de Omar Kayan, no socialismo stakhanovista de Vladimir Maiakovski e mais inventores e criadores que passeiam entre os gregos, romanos e levantinos, com as mais variadas técnicas do verso, praticadas e aceitas, algo poudiano; e a adequação da língua, nas variações da sua prosódia ajustando as idéias à melodia de um texto aforístico, prazeiroso pelo seu lirismo, erudito pelo seu conteúdo. Eis os segmentos apotegmáticos de Poemas de Sala e Quarto.
“– Na sala / eu sou ¼./  No quarto/ eu sou inteiro,”
Jacta-se o poeta. Verdade ou mentira? Fingimento? Dissimulação? Algo sofrido? Como descobrir les liaisons dangereuses que escondem as suas palavras? Simplesmente jogo de palavras? Ah! Como os poetas se conhecem. Pessoa bem que o afirmou:
O poeta é um fingidor… /  E os que lêem o que escreve/ Na dor lida sentem bem/ Não as duas que ele teve / Mas só a que eles  não têm.”
Em Ronaldo o apetite sexual parece uma eterna busca. “Poemas de Sala e Quarto” o confirma. Ele deseja estender até ao mundo dos inanimados, das coisas materiais a incontida ânsia dos seus desejos:
 Se nossos chinelos vissem/ sobre a cama os travesseiros/ talvez até decidissem/ sob a cama ser parceiros.”
Mas carrega as suas estações de dolorosa parada para reflexão. Ronaldo é um poeta ligado a um momento da história política paraibana, nacional. Não tenho coragem de dizer, de julgar o que mais o distingue ao longo de sua vida. Como acertar, se ele dissimula e finge? Uma condição explícita o caracteriza, e todos concordarão: foi o poeta político que disputava eleições, fez oposição ao regime militar, na Paraíba e por onde andou. Lutou, não cedeu, venceu. Maiakovski, entre todos os títulos, consagra-o o de “poeta da revolução russa.”
Muito pior, com certeza/ que uma sala sem mesa/ é uma mesa sem pão.” 
Sua mente não repousava. Muito ainda resta para falar sobre Ronaldo e Oinotna para completar o ciclo da vida: a severidade e a alegria, os lauréis e as palmas. Campina rediviva.
Quero deixar claro.
Vi a luz da vida em Sousa, onde nasci, falo com orgulho. Em Campina recebi os raios dos conhecimentos acumulados pela sociedade, descobri a prática da invenção, da construção, da criação, da imitação com os seus perigos inerentes. De Sousa guardo a memória do aprendizado, do espanto com os fatos da vida, destruindo já a inenarrável memória da infância; de Campina a descoberta do colóquio libidinoso dos poetas com os leitores, com o mundo  ─ que permanece dominante nas reflexões inevitáveis. O amor e a guerra entrelaçados.
Campina nada deve a Dublin nem a Londres, a Paris nem a Boston, a Pequim nem a Moscou. As pessoas e a sociedade cumprem as mesmas tarefas. Nada as distingue, exceto o nome dos narradores de suas trilhas aventurosas ─ inevitável mesmice das tragédias e comédias. Nada existe de novo debaixo do sol, adverte a sabedoria bíblica. Com efeito, não dá para rememorar tudo, conferir tudo. Por isso identifico no campinense Ronaldo, um criador entre tantos, um metingueiro que insiste em viver na rua, e se esconde, hoje, convocado pelo Olimpo para ocupar o seu lugar no Parnaso.
Ninguém melhor do que Ronaldo entoa o profético cantar dos poetas de que falou Pound, criando, inventando estilos e formas.
Impõe-se, no caso, numa leitura crítica e comparativa de Ronaldo, uma releitura de O EU PROFUNDO E OUTROS EUS, de Fernando Pessoa, e de POESIA, de T. S. Eliot, em tradução, introdução e notas de Ivan Junqueira. Surpresa?
A poesia no seu conteúdo, na sua forma deve a sua expressão à emoção, sublinho. Assim entendem T.S. Eliot e Fernando Pessoa. Vou transcrevê-los, adiante, em apoio às minhas afirmações.
 A emoção. Dorme no cérebro, no fundo da consciência, nos neurônios para falar moderno, esse poderoso sentimento, até que despertado, caracteriza o fazer humano. A arte é profundamente emocional. A leitura dos versos destes dois poetas transmite-nos esta certeza; mas, igualmente racional e intencional, se atentarmos para o “vanguardismo” técnico presente nas suas obras.
A arte poética, todavia, não se esgota na renovação formal.
Fernando Pessoa escreveu: “Um poema é a projeção de uma idéia em palavras através da emoção. A emoção não é a base da poesia: é tão somente o meio de que a idéia se serve para se reduzir a palavras.”
Escritura de Eliot: “The only way of expressing emotion in the form of art is by finding an objective correlative; in other words, a set of projects, a situation, a chain of events which shall be the formula of particular emotion.”
Pessoa fala em “emocionalizar o pensamento”, e Eliot assinala “the intensity of the artistic process.”
O tema oferece-se, portanto, para uma análise de aproximação da técnica de construção poética, que encontramos nas variações estilísticas e temáticas de Ronaldo, arrebatado pela emoção, poeta capaz de cantar baixinho, de chorar e de explodir em gritos tonitruantes, no caudal da emoção, admito, que é o seu estado e espírito. 
Poetas, historiadores, romancistas, estadistas. Toynbee, Proust, Confúcio, Hitler, Onassis, Rockfeller, Robin Hood, tivemos os nossos. Apenas os nomes diferem, repito, tanto dos escritores como dos personagens, humanos sempre. Consultem Dinoá com seus retratos ao vivo, Josué Sylvestre com as suas revelações biográficas interpretativas, Epitácio Soares e Elpídio de Almeida com as suas fontes e o seu estilo paroquiais, e tantos e tantos, e lá encontrarão os generais, os capitães de negócios, foliculários e tratadistas eruditos, que viveram ou vivem ainda em Campina. Vejo e sinto no que digo verdades verdadeiras, constatadas irretorquivelmente. E Ronaldo as encarna multifacetariamente.
Não dá para falar isoladamente de pessoas na construção dos mitos que Campina propiciou, numa caracterização do sonho grego de uma civi-lização universal que se tornou única e insuperável. Tratemos de famílias e de tipos, de indústrias, no sentido de destreza, engenho e arte, que a notabilizaram, campinense na essência, enfim..
Conhecemos os Lauritzen, Figueiredo, Almeida, Cabral, Gaudêncio, Habib, Chabo, Procópio, Luna, Tejo, Cunha Lima, Asfora, Barreto, Rique, Amorim, Celino, Mota, Agra, do Ó, Hamad, Wanderley, Dantas, Rego, Pinto, Soares, Afonso Campos, e outros e outros, e os tipos e as personalidades inconfundíveis de Ataliba Arruda, Otávio Amorim, Pinta Cega, Mário Araújo, Zeca Chabo, Zefa Tributino, Nathanael Belo, Moacir Tié, Paizinho, Dona Irene, Fausto Alfaiate, Maciel Malheiro, Oliveiros Oliveira, Soares, Seu Muniz, Moço Amorim, Antonio Bioca, Nereu do Cartório, Giseuda Moreira,  dr. Zé Arruda e Manoel Pé de Rotor, as rádio Cariri, Borborema e Caturité e tantos e tantos, ah! Imperdoáveis omissões. No tocante à ideologias e proselitismo, tivemos o comunista Peba que nunca esteve em Moscou em oposição a um empresário Barreto que falava inglês e morou nos Estados Unidos. Paremos no começo.
                                                        Sousa, janeiro de 2006.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012


O JOIO E O TRIGO
Prezado Tião: De volta para o sertão depois do checap (matuto na praça é sinal de grande negócio), envio-lhe este breve comentário a notícia lida no seu blog.
Porventura o individuo que estupra criancinha ou espanca a mãe, a avó para roubar o dinheiro da feira e do medicamento, deve ser perdoado pelo abuso ou crime cometido, ou pagar a pena da lei? Porventura o gestor público que sobe no palanque empavonado e organiza bando para fazer do cargo que conquista (nem sempre  democraticamente) objeto de sua vontade e dos seus amigos ou mandantes, desatento às regras morais que devem nortear a vida dos cidadãos, confunde-o e o transforma na ”cozinha” de sua casa, e aos berros dita ordens absurdas, criminosas, deve voltar a desempenhar a  função, ser ou impedido  para salvaguarda da ética pública?
Por economia de espaço, refiro somente estes dois exemplos, para mim, mutatis mutandis, semelhantes.
Calejada, vingativa, a sociedade mostra-se diante das circunstâncias, indiferente algumas vezes a tais situações que limitam a moralidade que deve presidir a vida da coletividade. Você parece mais uma vítima deste processo deletério. Lamento. Comentei na nossa roda do shopping que o governador tem a sua reeleição assegurada e elegeria Luciano Agra, que acreditava ser o seu candidato. Fiz tal comentário por entender que o governador sabe articular com indiscutível competência o processo eleitoral de escolha de candidatos, sempre ele ou os seus escolhidos. E não perde parada: vereador, deputado, prefeito, governador. Defendo a liberdade e a democracia.  Nele não votei nem nos seus candidatos, em razão do comportamento contrário a esses princípios que caracterizam os seus atos. Só.
A ninguém aproveita alegar o desconhecimento da lei. É principio e preceito que comanda o ordenamento jurídico nacional. Temos o caso do aeroclube, do serviço público estadual, arrastados pelos desejos dos atuais gestores a uma situação de flagrante desrespeito à ordem jurídica. Em tudo semelhante à pedofilia e aos crimes hediondos aludidos.
O problema Tião, é que o governador sabe misturar o joio com o trigo para ganhar eleições.  A teologia cristã não lhe serve, ensina diferente. Mas lhe tem assegurado alegrias embora à custa de lágrimas e de sofrimento de outros. É a vida. E o que entusiasma os paraibanos.
O meu amigo Marcos Odilon carimbou no título do seu estudo histórico-sociológico, freudiano-nietzchiano, que marcou época “Poder, Alegria dos Homens”.  Esta é a verdade capital.