quarta-feira, 28 de março de 2012



A VOLTA – O CANGAÇO – OUTRA VIDA
(diário da fazenda)

Nos últimos trinta anos que voltei a viver por aqui, jamais me afastei deste lugar por mais de que quinze dias. Antes, essa ausência, nos tempos de colégio e Faculdade chegava a três meses por semestre. Preso hoje aos afazeres assumidos com a nova dedicação a atividades rurais, o isolamento na fazenda permite tempo e ambiente ideais para leituras e reflexões de cunho político e estético-literário ─ renascimento do costume e do dever do estudo vivido na juventude. Preguiça, enfim. Outra vida.
Eis que, empurrado por circunstâncias presumíveis, mas não pro-gramadas, fui levado a ocupar Cadeira, na Academia Paraibana de Letras. Muita festa, reuniões e reencontro com familiares e amigos, passado tanto tempo da antiga convivência! Uma honra inegável para mim a esta altura da vida, que nada almejava além de terminar de criar filhos e netos, visitar amigos esporadicamente, olhar para o céu – este salutar hábito sertanejo.
Não faço charme, mas vivia feliz, o quanto podemos. Então tudo desandou. Ligeiros incômodos de saúde e aconselhamento levaram-me concomitantemente a médicos que me submeteram a cirurgias indicadas. Recuperei a visão comprometida por cataratas, e regularizei o fluxo uri-nário com a desobstrução da uretra. Renovo os meus agradecimentos aos médicos Astênio Fernandes e Georges Guedes Pereira que me assistiram. O primeiro, sobrinho do homem público e escritor areiense José Américo de Almeida, e o último, neto do cordial amigo Atílio Rota, um paraibano benemérito. E tudo terminou em festas, comemorações, que a medicina, hoje, nos desobriga de estirados jejuns. Aí se foram mais de trinta dias.
*   *   *
Aproveitando o tempo e atento às questões relativas à saúde, em oportunidade inesperada, revi o Recife de que me afastara há quarenta e cinco anos, desde a minha colação de grau na Faculdade de Direito em 1964. Para explicar e contar sobre esse reencontro, recorro ao pensamento de dois paraibanos, em frases famosas que criaram sobre esta circunstância: José Américo de Almeida e João Lelis de Luna Freire. Pra que o latim e o francês, se a nossa língua dita “inculta e bela” e os nossos pensadores provincianos nos satisfazem?
Dói falar no Recife que encontrei. O fenômeno da urbanização até onde o conheço, transformou as pessoas de posses, na sua maioria, em seres praieiros, estejam onde estiverem. Constato tal vocação em João Pessoa e no Recife – cidades de minha intimidade nas suas ruas e praças, nos seus ambientes de reunião e congraçamento da população, hoje transmudados.
A Avenida Guararapes e a Praça Pedro Américo, outras áreas públicas preferidas pela população, restam quase esquecidas, os espaços ocupados por vendedores ambulantes de quinquilharias. Perigosamente desertas à noite. Pouco ou nada sabem do poeta Carlos Pena Filho que deixou gravado em letras de bronze versos antológicos no famoso Bar Savoy, e de Paulinho Soares memorialista de uma época de dourada e boêmia vida social e estudantil paraibana, que ali se acantonava na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, como cantam os vigários católicos na celebração de casamentos.
Rememoro do intelectual João Lelis: “Os lugares que foram teatro do nosso passado também envelhecem... Nunca voltes a visitar os lugares onde fostes feliz no passado. É sempre decepcionante essa espécie de recor-dação, sobretudo se ela prende-se ao coração”. E de José Américo com a enfatuação de quem declara uma grande verdade: “Voltar é uma forma de renascer. Ninguém se perde na volta”.
Qual a minha opção sentencial? Por onde navega a minha memória, o que busca a minha inquietação na alegria verdadeira da volta, do reencontro?
*   *   *
 Não tinha realizado uma viagem, o objetivo era apenas um curto afastamento para um breve regresso, como ficara entendido. Mas o tempo estirou-se inesperadamente. O olhar curioso e afetuoso do pessoal de tra-balho me animava na retomada da luta conhecida, no meu regresso. Avaliavam, analisavam-me, no hábito milenar dos que vivem e se rela-cionam de perto com a natureza.
Relatórios informais sobre a situação do rebanho, reparo e con-servação de instalações e prejuízos indesejáveis, mas inevitáveis, no limite do plausível. Cercas reparadas, morte de borregos, mais um ataque letal de uma cascavel erada, que mora num dos aglomerados de rochas graníticas na chamada “Manga das Lages”. Na ida para o sítio, para as terras baixas ocupadas pelo verde capim de pisoteio e de corte, que enchem a minha vista e a barriga do gado, vejo rastos conhecidos de reses e de animais: o risco do rabo do tejo, as pegadas dos esquivos gatos do mato e dos guarás quase em extinção. Na cabeça de um mourão num terreno plano, avisto um caboré que em gerações sucessivas, vira e revira a cabeça, vigiando com os grandes olhos redondos, o mesmo buraco onde guardam os seus ovos, cria os filhotes.
*   *   *
A Academia, a Capital, as Solenidades ficaram para trás. A vida agora é outra. Aliás, volto à vida de antes. Amanhã tenho viagem marcada para renovada visita e café com Neo Mamede, no Pau Ferrado, ele tio de Jarda, viúva do meu conterrâneo sousense de Nazarezinho, cangaceiro Chico Pereira. Seguirei em companhia do seu sobrinho, meu amigo Valdemar, primo legítimo de Jarda. Por sinal, daqui de onde moro, avisto cerca de uma hora a cavalo, a furna de Rio Preto, outro cangaceiro, que assombrou Pombal e a redondeza, e em menos de hora e meia chego à antiga morada de Jarda e Chico Pereira, pais do imortal filósofo e romancista Chico Pereira da nossa APL, desaparecido há poucos anos. Sertão valente e brioso.
Uma alegria, pisar no chão da aventurosa e romântica vida sertaneja das primeiras décadas do século XX. Quero rever e agora fotografar pa-redes antigas, riscadas de balas, figuras avoengas emolduradas, penduradas nas salas e quartos ao lado de santos de devoção, portas marcadas a fogo com o ferro do dono da fazenda, pegar em armamento de outros tempos, conversar de outros costumes, que ignoraram a dissimulação, mas usavam lealmente estratégias de luta no ataque e na defesa.
 Ah mundão! Outra vida. Repito.

.......Sertão impaciente esperando o novo inverno. Novembro de 2009. 2012 fraco de chuvas inquieta sertanejos.














Jornal O NORTE  07 de junho de 2008

Gonzaga Rodrigues


Um Eilzo de dar inveja

Quando Eilzo Matos se arrancou da mazorca política e foi retomar os livros no interior, despertou-me a inveja que uns poucos amigos não conseguiram em demanda de pos-graduação no exterior. Eilzo sempre foi um homem de letras, circunstancialmente desviado para uma militância política que nada tinha a ver com a que a leitura do mundo lhe fizera a cabeça. Provou isso o tempo, pois, mais gasto que tivesse sido em ascensões eventuais, em arenas de alienados e de fisiológicos, nunca perdeu a direção comprometida com seus verdadeiros ideais políticos.
Tanto é assim que, de vez em quando sai de armadura e lança em punho, nem tanto por acreditar em Norberto Bobbio, mas por nunca ter deixado de ladear o Dom Quixote.
Onde Eilzo me pareceu sentir-se melhor: nas secretarias de Estado que aquinhoou com propósitos que chego até a chamar de cívicos ou no expediente das idéias e das letras em parcerias felizes (pela emoção e pelos resultados) com Virginius da Gama e Melo e companhia?
Sua presença, ou melhor, sua expressão, sempre foi cultural. É flagrada sem favor na História Crítica da Literatura Paraibana, de Gemy Cândido e, mesmo de forma somítica, na coletânea de Autores Paraibanos que a Secretaria de Educação fez organizar e editar em 2005.
É o que me ocorre vendo, de passagem, um descarte de Eilzo ao retorno urbano: "Tentei retomar antigos contatos em João Pessoa. Comprei apartamento, botei os filhos (mais novos) para estudar, o que asseguraria a minha presença perto deles. Mas não deu. Chegou a idade. Um atropelo. Acontece com quem vai na conversa dos outros: / Você está velho e longe da assistência. Pode acontecer um troço".
E voltou a Souza. Lá "não existe a solidão escondida na multidão. Sempre aparece um conhecido e as ruas nos são familiares, notamos modificações na urbanização, nas linhas da arquitetura dos prédios, nas pessoas. "Conhecemos até os donos dos bichos que freqüentam as ruas: O gato de D. Amália. O cachorro do caçador Zezito de João Domingos. Dizem que ele é perigoso, pega guiné e galinha nos terreiros. / Estamos em casa, como se diz".
É este o Eilzo da minha eleição. O que sabe, como ninguém, perceber o sentido político da vida, aconteça numa conversa de curral ou numa rebelião de faculdade.
Além do mais é corajoso. Não liga, como eu ligo, estar perto ou longe da ausculta médica mais famosa.
E diz bonito: "Para mim, a esta altura da vida é melhor ficar por aqui. Hospital não salva ninguém".
.......................................................................................


Jornal O NORTE  07 de junho de 2008

Gonzaga Rodrigues


Um Eilzo de dar inveja

Quando Eilzo Matos se arrancou da mazorca política e foi retomar os livros no interior, despertou-me a inveja que uns poucos amigos não conseguiram em demanda de pos-graduação no exterior. Eilzo sempre foi um homem de letras, circunstancialmente desviado para uma militância política que nada tinha a ver com a que a leitura do mundo lhe fizera a cabeça. Provou isso o tempo, pois, mais gasto que tivesse sido em ascensões eventuais, em arenas de alienados e de fisiológicos, nunca perdeu a direção comprometida com seus verdadeiros ideais políticos.
Tanto é assim que, de vez em quando sai de armadura e lança em punho, nem tanto por acreditar em Norberto Bobbio, mas por nunca ter deixado de ladear o Dom Quixote.
Onde Eilzo me pareceu sentir-se melhor: nas secretarias de Estado que aquinhoou com propósitos que chego até a chamar de cívicos ou no expediente das idéias e das letras em parcerias felizes (pela emoção e pelos resultados) com Virginius da Gama e Melo e companhia?
Sua presença, ou melhor, sua expressão, sempre foi cultural. É flagrada sem favor na História Crítica da Literatura Paraibana, de Gemy Cândido e, mesmo de forma somítica, na coletânea de Autores Paraibanos que a Secretaria de Educação fez organizar e editar em 2005.
É o que me ocorre vendo, de passagem, um descarte de Eilzo ao retorno urbano: "Tentei retomar antigos contatos em João Pessoa. Comprei apartamento, botei os filhos (mais novos) para estudar, o que asseguraria a minha presença perto deles. Mas não deu. Chegou a idade. Um atropelo. Acontece com quem vai na conversa dos outros: / Você está velho e longe da assistência. Pode acontecer um troço".
E voltou a Souza. Lá "não existe a solidão escondida na multidão. Sempre aparece um conhecido e as ruas nos são familiares, notamos modificações na urbanização, nas linhas da arquitetura dos prédios, nas pessoas. "Conhecemos até os donos dos bichos que freqüentam as ruas: O gato de D. Amália. O cachorro do caçador Zezito de João Domingos. Dizem que ele é perigoso, pega guiné e galinha nos terreiros. / Estamos em casa, como se diz".
É este o Eilzo da minha eleição. O que sabe, como ninguém, perceber o sentido político da vida, aconteça numa conversa de curral ou numa rebelião de faculdade.
Além do mais é corajoso. Não liga, como eu ligo, estar perto ou longe da ausculta médica mais famosa.
E diz bonito: "Para mim, a esta altura da vida é melhor ficar por aqui. Hospital não salva ninguém".
.......................................................................................



/

sexta-feira, 16 de março de 2012



Governistas e oposicionistas se unem para abafar escândalos


Em dezembro do ano passado, imensa mobilização nas redes sociais converteu o livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, no maior best-seller político do século XXI no Brasil, com mais de cem mil exemplares vendidos – até a última divulgação da tiragem, feita há mais ou menos um mês. Esse êxito editorial foi logrado sem a menor participação da grande imprensa.


O livro apresentou provas irrefutáveis de que o ex-governador José Serra, parentes e amigos receberam verdadeiras fortunas do exterior, dinheiro que jamais teve comprovação de origem. Diante disso, o deputado comunista Protógenes Queiroz (SP) formulou um requerimento de CPI que obteve mais assinaturas do que o mínimo exigido. Esperava-se que fosse instalada logo após o fim do recesso parlamentar de fim de ano.


À época, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), dera declarações ambíguas sobre a instalação da CPI e, na volta dos trabalhos do Congresso, continuou na mesma toada. O tempo foi passando, já vai para um mês que o Congresso retomou seus trabalhos e a CPI da Privataria vai tendo o mesmo destino da CPI do Banestado, em 2003: o abafamento.


Ninguém nega que aquela CPI foi abafada por governistas e oposicionistas. O máximo que os governistas dizem é que estávamos no primeiro ano do governo Lula, quando o país vivia uma crise econômica muito séria após o desastre FHC e o governo ainda estava sendo ”testado” pela comunidade financeira internacional, de maneira que não seria interesse do país estabelecer uma “guerra política”.


Agora, como não há desculpa para não instalar a CPI da Privataria, no Congresso não se fala mais do assunto. Só o autor do requerimento de investigação e alguns raros deputados ainda tentam manter o assunto vivo.


Durante a semana que finda, mais um acordão de impunidade uniu petistas, tucanos, demos e companhia limitada. Veio à tona que o senador pelo DEM goiano, Demóstenes Torres, durante seis meses do ano passado conversou por telefone duas vezes por dia, todo dia, com o bicheiro Carlos Augusto Ramos, mais conhecido como Carlinhos Cachoeira, além de ter sido presenteado pelo contraventor com uma cozinha importada no valor de 30 mil dólares.


O nome de Carlinhos Cachoeira ganhou repercussão nacional em 2004, após a divulgação de um vídeo que o flagrou oferecendo propina a Waldomiro Diniz, o que gerou a CPI dos Correios, que seria o começo do ataque da imprensa ao governo Lula, que duraria até o fim do seu segundo mandato.


Em 29 de fevereiro deste ano, Cachoeira foi preso pela Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, que desarticulou organização que explorava máquinas de caça-níqueis no Estado de Goiás. A notícia de que Demóstenes conversava duas vezes por dia, todo dia, com o senador do DEM goiano foi minimizada ou ocultada pela mídia oposicionista (Veja, Folha, Estadão e Globo).


Não satisfeito com o acobertamento da mídia, Demóstenes, “indignado” por acharem estranho que um senador, durante longo período, conversasse por telefone duas vezes ao dia, todo dia, com um criminoso e recebesse dele presentes caros, foi à tribuna do Senado manifestar a sua “indignação”. A reação esperável de seus pares seria que o interrogassem duramente, mas nem mesmo os seus adversários fizeram isso.


O pronunciamento de Demóstenes recebeu 44 apartes de representantes de todas as bancadas, do DEM ao PT. Os senadores Pedro Simon, Jarbas Vasconcelos, Romero Jucá, Lobão Filho, Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira, Alfredo Nascimento, Eduardo Suplicy e Marta Suplicy, entre muitos outros, derramaram-se em elogios ao colega e o disseram “injustiçado”.


A conclusão que se impõe é a de que governistas e oposicionistas podem ter feito um acordo de leniência mútua, explicável, em parte, pelo ano eleitoral. A CPI da Privataria, por exemplo, parece que ficará como uma carta na manga dos governistas caso a oposição decida explorar o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal, que deverá ocorrer ainda neste semestre.


O mais interessante, para usar um eufemismo, é que simpatizantes do governo e da oposição se engalfinham na internet todo dia e, enquanto isso, os políticos das duas vertentes se lambem, protegem-se, elogiam-se, acobertam-se mutuamente. Para os que temos simpatias políticas e nada mais, talvez seja hora de começarmos a entender que estamos fazendo papéis de idiotas.  -

Saiu no Blog da Cidadania, do Edu Guimarães