sábado, 15 de fevereiro de 2014

Piancó



PIANCÓ OSTENTA O LÁBARO DOS INIMIGOS DA DEMOCRACIA E DA LIBERDADE.
SHAKESPEARE E KUROSAWA     A VISÃO OCIDENTAL E ORIENTAL DA LUTA PELO PODER

Um trono e muitos pretendentes. Como ilustração, encerrando querelas de uma vez por todas, recorro a Shakespeare e Kurosawa geniais retratistas de tipos, situações e sentimentos humanos, relocando-os  à minha paisagem sertaneja, paraibana. Macbeth e o Samurai descritos pelos mestres da narração e interpretação de costumes e tradições, na disputa pelo poder, submetidos aos azares da sorte estão no seu teatro e no seu cinema e em Piancó.
Não coloquei asas de anjos nos Leite Ferreira, cidadãos comuns, afetados, embora tenha admitido a conduta do Padre Aristides como tocada pelo demônio Sa-tanás. E dá para acreditar na realidade de tal comportamento dos dois lados o que recolhi em documentos e depoimentos de contemporâneos, que consultei e guardei.
A disputa entre partidos políticos paraibanos naquele tempo, envolvera na-turalmente a cidade de Piancó. Assim reconhece Celso Mariz. De um lado potentados rurais instituindo hábitos de suserania, que chegaram com a colonização, mandados pela Casa da Torre titular do morgado que dominava vales e sertões paraibanos. Do outro, os que se sentiam excluídos do processo de definição social da coletividade.
Acredito que deixei claro firmado em depoimentos e documentos, que Piancó paga muito caro, com imenso prejuízo moral para o seu povo e sua história, sustentar (até quando?) a estupidez, a burrice de fazer do Padre Aristides o seu herói. Um engano fruto da  obnubilação,  que prejudicou o direito de opinar, de julgar. Coisa de dinheiro.
Não culpo somente o empresário Teotonio Neto, que todos sabem pagava casa, comida, hotel em Piancó e na capital, alfaiate, roupa lavada, recrutando com objetivo político eleitoral, guarda avançada para o seu batalhão de falsários da história, da verdade, para derrotar os Leite Ferreira.
A roupa de diagonal branco engomada estralava no vai e vem de ruas, mesas de pife e de bar, clubes e festas usadas por quem não podia pagá-las. Mas funcionava como um distintivo, uma marca, um ferro: “Aquele é de Teotonio.” Muitos figuraram na sua folha de pagamento. Se prestaram alguns Leite Ferreira, inscritos como os deserdados nos livros de fiado das bodegas. Sem grandes realizações, finou o império de Teotônio, com prejuízo para alguns clientes. E foi dado curso à lenda da criação de um falso mártir para garantir a sobrevivência de outros, sempre contra os Leite Ferreira, cuja tradição familiar francamente decadente ainda os mantinha no poder.
Mas deixa prá lá. O Senado anulou a ata da sessão que declarou vaga a presi-dência da república, cassou o mandato do presidente João Goulart, empossou como substituto um fantoche. Foi ressalvada a moral pátria pelo Congresso Nacional. Agora, repito, já que as chuvas voltaram, os tempos são outros, cabe à Câmara Municipal de Piancó e aos cidadãos, apagar da sua história o vergonhoso lábaro de feroz inimigo das liberdades democráticas, da modernização dos costumes políticos.
Foi a mancha mais feia conquistada na infame e sangrenta emboscada que o Padre Aristides perpetrou contra as forças militares de jovens oficiais, em marcha patriótica através do país, que defendiam teses do voto secreto, do ensino primário obrigatório, de direitos sociais, trabalhistas. Não acredito que os piancoenses contestem estes princípios formadores da cidadania, da democracia. Pois este é o seu retrato, enquanto veneradores do tipo desajustado socialmente, o Padre Aristides como mártir e herói. Ele militou na política local por mero acidente: a derrota em 1915 do candidato a governador da facção dos Leite Ferreira.
Mártir de quê? Herói como? Com a malandragem sertaneja dos negociantes de feira, esperteza de João Grilo, o padre galgou posições, amealhou fortuna. A prática do assédio sexual às paroquianas, a constituição de família numerosa, a conduta desabrida, valeu à sua “suspensão de ordens”, decretada pela Arquidiocese da Paraíba, proibindo-o de celebrar missa, casamento, batismo, usar vestes talares.
Na tragédia, no drama, na comédia transcorre a vida e se desenvolvem legendas na sociedade dos homens. Infelizmente prosperou em Piancó a da inveja doentia, da traição dolorosa e cruel, da falsificação da verdade, da história. Esta a sorte, o destino de Piancó que adota o codinome de Guerreiro. Não dá mais. Não cola mais. Uma pena. Também, com tal herói retratando os manes de sua história é impossível.