AMIR GAUDENCIO.
Um grande e bom amigo.
Difícil encontrar muitos com esse quilate social, moral. Amir Gaudêncio era
detentor dessas qualidades, que não somente possuía, mas repartia na
convivência com os demais sem intervalos de tempo. Faleceu, silenciosamente,
direi melhor discretamente, que era a marca de sua coragem, de sua nobreza, no
enfrentamento do insidioso mal da saúde que não tem memória, não perdoa, como o
implacável carcará do lamento de João do Vale, que até recém-nascidos “pega,
mata e come” ─ o câncer. No isolamento rural, somente agora soube de sua morte.
Falo de uma amizade
familiar, que vem das primeiras décadas do século passado, nascida da estreita
relação política e status econômico das famílias, da vida nas fazendas, das
longas viagens a cavalo atravessando o Estado, antes da construção das
estradas, da chegada do automóvel. Os jovens sertanejos demandavam outros
centros desenvolvidos, para o estudo nas universidades, e os chefes políticos
do interior no exercício de mandatos eletivos conquistados em pleitos
eleitorais dirigiam-se para a capital, os tropeiros procuravam outros centros, no transporte de mercadorias, da produção
agrícola base da economia local. Lugares
eram escolhidos para o descanso, o rancho, a refeição debaixo de árvores. Algumas
fazendas recebiam conhecidos para a dormida no alpendre, a roça para o descanso
dos animais. Pois tudo começava aí. Naquele
tempo o curso de Direito no Recife, e o de Medicina em Salvador eram os mais
procurados, que outros só em
São Paulo, no Rio de Janeiro.
Escutei curioso o meu
tio Salviano Leite, de Piancó, e o dr. Tomaz Pires, de Sousa, falarem daquelas
viagens, de contemporâneos, alguns notáveis principalmente da região Nordeste, como o
romancista José Lins do Rego, entre tantos. E até de praças, teatros e
restaurantes que ainda funcionavam nos anos 50, e freqüentei, quando o trem e o
ônibus me levaram ao Recife. E lá encontrei estudando medicina, quando eu
estudava direito, o jovem Manoel Gaudêncio. A velha amizade perdurou até o
presente. A Aliança Liberal e a Revolução de Trinta uniram e separam famílias.
Vem daí a nascente simpatia e camaradagem dos meus parentes com a família do
senador José Gaudêncio, depois exilado na Europa, pelo exercício de uma
liderança política no Cariri paraibano que ainda perdura, estendendo-se por
todo o Estado.
O escritor Virgínius
da Gama e Melo, de família campinense, falava-me com admiração dos entreveros
da política regional envolvendo os Gaudêncios, representados pelo advogado
Álvaro o patriarca e chefe do poderoso grupo. No seu romance “A Vítima Geral”
que leva para a ficção o assassinato do vereador Félix Araújo, retrata um jovem
de conduta social elegante e irrepreensível, até na presença afirmativa e
requestada na zona do meretrício, o jovem galanteador Amir, certamente o Gaudêncio. Pois este Amir
que chegou ao Senado, conduziu a família como interprete principal de suas
posições partidárias. Deixo por conta do admirado jornalista Martinho Moreira
Franco, a homilia do ilustre amigo desaparecido, cuja memória se impõe aos
paraibanos.
“O último domingo começou sob o
signo da tristeza. É que os portais abriram o dia noticiando a morte de
Amir Gaudêncio, figura humana que tinha a delicadeza de um domingo – não aquele
da “síndrome da depressão”, mas o domingo de antigamente, em que a gente
amanhecia, vestia a melhor roupa e ia à missa. Sim, havia um ar dominical em
Amir, um modo de apresentar-se como que vestido de linho para o cumprimento da
liturgia das preces. E nele pairava uma elegância de porte muito além do terno
sempre bem talhado, sustentando-se numa graça interior que se projetava na
distinção, no fino trato, na finesse. Era Amir Gaudêncio a mais perfeita
tradução do cavalheirismo. A Paraíba ficou mais pobre em refinamento, em
lhaneza”.
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