sábado, 29 de dezembro de 2012



LUIZ GONZAGA E SOUSA
O destino ligou Luiz Gonzaga, o Gonzagão, à nossa cidade de Sousa, o que comprovam dois momentos de sua vida, marcantes para ele e para os sousenses.  Sobre este assunto são conhecidas declarações dele, testemunhadas, e também fotografias em que aparece em reuniões sociais e festivas de que participou, que existem em arquivos pessoais de filhos de Sousa. Resumo:  num dos seus exclamativos comentários sobre sua vida, gravados com a música de fundo da sanfona,  fala que deixou a casa paterna e sentou praça, que as forças armadas  recrutavam até nas feiras sertanejos jovens. Veio parar em Sousa que acantonava uma unidade do exército. Vivia o país um período político agitado por freqüentes en-frentamentos armados entre os governos estadual  e federal. Era o tempo dos “tenentes”, que culminou com a Revolução de Trinta. Presenciou o fuzilamento do comandante, leal ao governo federal, reagindo a ação golpista planejada. Participou como obreiro de reunião da Loja Maçônica Calixto Nóbrega e guardamos fotografia do evento.  Gonzagão ligou-se com intimidade à nossa terra. Foi amigo pessoal  de Deusdete Queiroga de Oliveira, destacado empresário sousense, que o hospedava e dele conseguia o gesto de consideração de participar e tocar nas comemorações do São João  em Sousa, a mais tradicional festividade social do sertão nordestino. Assim passava a noite inteira conosco, sem a correria atual provocada pelos contratos de apresentação de várias cidades na mesma noite. Estive presente com os sousenses no Clube Campestre e no BNB Clube onde se apresentou, dividindo mesa em demorados momentos, desfrutando o chiste que enfeitava a sua conversa. Fui brindado por ele com uma extensa gravação  exaltando o meu nome e a minha candidatura a deputado estadual em 1978, por solicitação do meu compadre Dezinho Queiroga. Mais de cinco minutos de gabolice e piadas que me exaltavam, com o Boiadeiro como música de fundo, executado por ele na sanfona, que eu divulgava  nos programas de rádio, e como carro chefe dos meus comícios de feira. A votação que obtive ultrapassou os 9600 votos, o que jamais acontecera em Sousa até aquela data.  As votações maiores obtidas por outros candidatos até hoje, não foram, proporcionalmente, em relação ao número de votantes, maior do que aquela, acredito.
Ao lado um flagrante na casa de Dezinho Queiroga com os amigos e correligionários Nivaldo Sá  e Chico Braga, verdadeiros baluartes das nossas campanhas eleitorais.

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GONZAGÃO E A TRADIÇÃO SERTANEJA, ONDE ENTRAM PELOS SEUS DESCENDENTES, O MAJOR MIGUEL SÁTIRO E BASÍLIO QUIDUTE DE SOUSA FERRAZ (adotava no cangaço o cognome de Basilio Arquiduque Bispo de Lorena – Guerreiros do Sol, Frederico Pernambucano de Melo), E JOSÉ MATOS ROLIM (meu avô patrerno) TAMBÉM BACHAREL DO RECIFE.
O colega bacharel da turma de 1964 da Faculdade de Direito do Recife Flávio Sátiro Fernandes, eminente constitucionalista e mestre do Direito, postou no Facebook a sua fotografia e fez referência ao meu nome e de outros mais íntimos no seu relacionamento,  no 48º aniversário de nossa formatura, despertou a minha atenção para a vida no Recife daquele tempo.  Também fui jovem naqueles idos e guardo a memória da com-vivência com a juventude nordestina principalmente a pernambucana, mais numerosa, que freqüentava a famosa Escola do Direito, chamada a Casa de Tobias (Barreto). Refiro por entender necessário, para acentuar o prestígio dos acadêmicos de direito na capital pernambucana e conferir notoriedade a este comentário, alguns brasileiros notáveis que ali estudaram: Castro Alves, Gonçalves Dias, Fagundes Varela, Augusto dos Anjos, José Lins  do Rego, Osman Lins para citar alguns poetas e romancistas,  e políticos e juristas como Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, José Américo,  Pontes de Miranda, José Mário Porto, Rui Carneiro, Salviano Leite, Otacílio Silveira, Aloisio Bonavides, Clovis Lima, Álvaro Gaudêncio  entre tantos outros.
Mas rendo uma homenagem sentida e especial ao compositor e cantor Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, que estimulou o meu sentimento de amor ao mundo do sertão, aos seus costumes, aos protagonistas da vida social local, no centenário do seu nascimento,  e evocarei a sua música que nos embalava na alegria da vida estudantil. Pernambuco é para mim uma referência essencial nas minhas lembranças, nas minhas reflexões de natureza intelectual, nos meus sentimentos políticos centrados no humanismo que veio com o Iluminismo e desaguou no marxismo leninismo que era o substratato das teses políticas da esquerda da época.
Repito o que afirmei outras vezes: nasci na minha querida cidade de Sousa onde abri os olhos para a vida; Campina Grande me apresentou ao mundo da literatura; Recife me alistou na frente de luta democrática. Hoje pachorrentamente recolhido ao campo, curto essas lembranças com a contribuição valiosa da televisão e da internet para me situar no mundo.
Pois bem. Numa daquelas noitadas alegres, chovia fino, e adentrando um bar na descida da Ponte do Santa Isabel para o 13 de Maio, nas proximidades da Faculdade, encontrei o colega José Quidute, no sempre amarrotado terno de diagnonal branco – um luxo para a época  -, de gravata, que gesticulava e cantava alto a música tocada na radiola: Riacho do Navio, de Luiz Gonzaga. Era a sua terra de nascimento. Sentei-me à sua mesa, começamos o papo sobre a eleição para o diretório acadêmico, o mulherio, comprei uma ficha e apertei a tecla do baião Paraíba, a minha terra também de nascimento.
 Muitas horas passamos e sapatear e bater com os pés no rítimo da música que tocava. O colega Quidute, este saltava com a rapidez e o trejeito de cangaceiro, de quem sacava uma arma da cintura, empolgava o ambiente. Quidute era branco e tinha uma farta cabeleira negra que esvoaçava e todos aplaudiam. Eu, sem muito jeito, também dava os meus pulos, batia com força os pés no chão, mal sucedido numa tentativa de rabo-de-arraia fiquei de cócoras. Parecia um desafio. Cansados, quando um sentava o outro levantava. Bebíamos cerveja e comíamos  siri, caranguejo, espeto de carne.  A madrugada nos levou exaustos para os tabiques dos nossos quartos de pensão, nos sobradões coloniais.  -----------------------------
 

sábado, 1 de dezembro de 2012

Notas da Fazenda


ARIANO SUASSUNA E O PREMIO NOBEL DE LITERATURA
Oportuna a lembrança do senador Cassio Cunha Lima, propondo na tribuna do senado a indicação do nome do paraibano Ariano Suassuna para disputar o prêmio nobel de literatura em 2012. O mérito intelectual e criativo de Ariano no campo da literatura, transpõe para o romance e para o teatro a memória efetiva nacional, a partir do Descobrimento, fincada no Nordeste onde aportaram as caravelas de Cabral. Outros momentos representativos do processo civilizatório nacional existiram, como ressalta Darcy Ribeiro, porém a babel sulina confunde, fala de outro mundo, igualmente nacional, reconheço, porque a nossa tradição tem muita força, mas sem raizes na tradição ibérica, africana, tupi, tapuia que deu origem ao tipo nacional mesmo. Alguma palavras mais. 
No seu ROMANCE DA PEDRA DO REINO E O PRÍNCIPE DO SANGUE DO VAI E VOLTA, Ariano Suassuna revela-se no vivido, defrontando-o à realidade decadente da vida sertaneja, deformada pelo colonialismo cultural e econômico, destruidor e indesejável. E o perpassar dos fatos da política. A sua concepção da vida e da arte é a de que tudo se realiza num mundo miserável, onde a condição humana periclita, reduz-se a de um “piolho, de um carrapato-chupa-sangue e pardo, errante entre os pêlos da onça.” Esta evidência do seu pessimismo diante da vida, em face do mundo que é representado na figura de uma onça que via se desfazer “em pó, em cinza, em sarna, o que ainda lhe restava de sua vida demente e sem grandeza”, é revelada por Quaderna que vê os homens como uma raça piolhosa, “raça também sarnenta e sem grandeza, coçando-se idiotamente como um bando de macacos diante da ventania crestadora, enquanto espera a morte, à qual está, de véspera condenada.”
A visão de Quaderna – que outra coisa não é, senão a sua cosmovisão – encerra uma revelação trágica entre todas. É quando ele, ao descrever ao Corregedor a aparição sobrenatural, manifesta dolorosamente a sua decepção pela inferioridade e malignidade do que lhe ocorrera, dizendo: “O pior, porém, é que não se tratava nem de uma Onça digna, uma Onça Malhada como aquela que o Profeta Nazário e Pedro Cego tinham visto.” O Profeta e o Cego são porta-vozes de toda aquela massa de ignorantes e místicos sertanejos, cujos anseios consistem na busca de um mundo justo e melhor, representado na idéia de riqueza e felicidade. Um mundo virtuoso, portanto, cuja pureza é produzida com instinto plástico espontâneo na bela figura da Onça Malhada, que tem nos olhos pedras preciosas, é fértil, cantadeira, propõe-se a tornar felizes os que nela acreditarem. A visão de Quaderna é deformada, deformação que o entristece e desespera cada vez mais, ao compreender a decadência inelutável da estrutura que o originou, jogando-o à mercê de um sebastianismo inconsequente e criminoso.Todos os sonhos “monárquicos-de-esquerda”, fruto de um falso conhecimento da realidade, que povoam o mundo do Poeta-Decifrador-Astrólogo, não resistem à imagem rejeitada da Onça sarnenta e piolhenta. Acredito haver certa identidade entre as minhas observações e as de Rachel de Queiroz sobre A PEDRA DO REINO. Sem maior esforço as localizamos em comentários da romancista cearense, encontrando na narrativa “reclamos de usurpação”, “Suassuna olha para esse mundo com a visão do exilado, ainda na adolescência arrancado ao seu sertão natal.”
A sua obra literária, na reflexão de Ascendino Leite sobre o romance paraibano, “tem algo nela da têmpera tolstoiana, que entrevimos nos cossacos vencedores do efêmero – recriados nos instinto, solícitos sempre às dores gerais. Um povo eterno.” A construção retórica e literária de Ariano reflete-se, inclusive na discussão ordinária de assuntos essenciais à nossa formação cultural como povo, nação, refletida no seu protesto veemente contra o chamado “forró de plástico”. Um fenômeno verdadeiramente universal.   -----------------------------------