Notas da Fazenda
ARIANO SUASSUNA E O PREMIO
NOBEL DE LITERATURA
Oportuna a lembrança do
senador Cassio Cunha Lima, propondo na tribuna do senado a indicação do nome do
paraibano Ariano Suassuna para disputar o prêmio nobel de literatura em 2012. O
mérito intelectual e criativo de Ariano no campo da literatura, transpõe para o
romance e para o teatro a memória efetiva nacional, a partir do Descobrimento,
fincada no Nordeste onde aportaram as caravelas de Cabral. Outros momentos
representativos do processo civilizatório nacional existiram, como ressalta
Darcy Ribeiro, porém a babel sulina confunde, fala de outro mundo, igualmente
nacional, reconheço, porque a nossa tradição tem muita força, mas sem raizes na
tradição ibérica, africana, tupi, tapuia que deu origem ao tipo nacional mesmo.
Alguma palavras mais.
No seu ROMANCE DA PEDRA DO
REINO E O PRÍNCIPE DO SANGUE DO VAI E VOLTA, Ariano Suassuna revela-se no
vivido, defrontando-o à realidade decadente da vida sertaneja, deformada pelo
colonialismo cultural e econômico, destruidor e indesejável. E o perpassar dos fatos
da política. A sua concepção da vida e da arte é a de que tudo se realiza
num mundo miserável, onde a condição humana periclita, reduz-se a de um
“piolho, de um carrapato-chupa-sangue e pardo, errante entre os pêlos da onça.”
Esta evidência do seu pessimismo diante da vida, em face do mundo que é
representado na figura de uma onça que via se desfazer “em pó, em cinza, em
sarna, o que ainda lhe restava de sua vida demente e sem grandeza”, é revelada
por Quaderna que vê os homens como uma raça piolhosa, “raça também sarnenta e
sem grandeza, coçando-se idiotamente como um bando de macacos diante da
ventania crestadora, enquanto espera a morte, à qual está, de véspera
condenada.”
A visão de Quaderna – que
outra coisa não é, senão a sua cosmovisão – encerra uma revelação trágica entre
todas. É quando ele, ao descrever ao Corregedor a aparição sobrenatural,
manifesta dolorosamente a sua decepção pela inferioridade e malignidade do que
lhe ocorrera, dizendo: “O pior, porém, é que não se tratava nem de uma Onça
digna, uma Onça Malhada como aquela que o Profeta Nazário e Pedro Cego tinham
visto.” O Profeta e o Cego são porta-vozes de toda aquela massa de ignorantes e
místicos sertanejos, cujos anseios consistem na busca de um mundo justo e
melhor, representado na idéia de riqueza e felicidade. Um mundo virtuoso,
portanto, cuja pureza é produzida com instinto plástico espontâneo na bela
figura da Onça Malhada, que tem nos olhos pedras preciosas, é fértil,
cantadeira, propõe-se a tornar felizes os que nela acreditarem. A visão de Quaderna é
deformada, deformação que o entristece e desespera cada vez mais, ao
compreender a decadência inelutável da estrutura que o originou, jogando-o à
mercê de um sebastianismo inconsequente e criminoso.Todos os sonhos
“monárquicos-de-esquerda”, fruto de um falso conhecimento da realidade, que
povoam o mundo do Poeta-Decifrador-Astrólogo, não resistem à imagem rejeitada
da Onça sarnenta e piolhenta. Acredito haver certa identidade entre as minhas observações
e as de Rachel de Queiroz sobre A PEDRA DO REINO. Sem maior esforço as
localizamos em comentários da romancista cearense, encontrando na narrativa
“reclamos de usurpação”, “Suassuna olha para esse mundo com a visão do exilado,
ainda na adolescência arrancado ao seu sertão natal.”
A sua obra literária, na
reflexão de Ascendino Leite sobre o romance paraibano, “tem algo nela da
têmpera tolstoiana, que entrevimos nos cossacos vencedores do efêmero –
recriados nos instinto, solícitos sempre às dores gerais. Um povo eterno.” A
construção retórica e literária de Ariano reflete-se, inclusive na discussão ordinária
de assuntos essenciais à nossa formação cultural como povo, nação, refletida no
seu protesto veemente contra o chamado “forró de plástico”. Um fenômeno
verdadeiramente universal.
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