RASTRO DE ANDARILHO
EILZO MATOS
“Jardim Miramar, Maio 1966”, esta
inscrição está no final do livro que tenho em mãos. É a data do término da composição
da novela-romance “Rastros de Andarilho”, de José Urquiza, como o “Vidas Secas”,
de Graciliano Ramos, tratando dos dramas e da vida de bichos e pessoas,
envolvidas numa existência no mesmo espaço e cenário, comuns à convivência de
todos. Os acontecimentos, as tragédias são iguais. Ideólogos e comentaristas
atribuem-lhe um qualificativo. Nada mais. A literatura, entretanto, revigora-se
dialeticamente, como expressão e fenômeno exclusi-vamente humano, na teoria do
conhecimento, tratando do costume, da vida em sociedade. Também é o retrato
social e político de uma época.
Vivi aquela data noutro “sitio”, como
falam os portugueses. Mas, como acentuou Guimarães Rosa, seria o mesmo lugar,
porque o sertão está em todo lugar, por mais afastados que sejam um do outro, em
toda parte, e falando-se de Patos de Espinharas e Sousa do Rio do Peixe, a
distância quase não conta, porque se troveja e relampeia numa cidade se escuta
e vê na outra. Esta é a estreiteza da vida, perceptível, impositiva,
coercitiva. A abrangência no seu fazer, tornando a totalidade em semelhança e
homogeneidade, submetida inelutavelmente à práxis do ser.
Batedor de tijolo, prostitutas e
meganhas desfilando em passadas, no modo do trabalho de cada um, também a sofrida
cachorra, amojada, abandonada, requestada, enfrentando um destino de fracassos
e sucessos como as mulheres, as pessoas enfim. As famílias sem documentos, os
comerciantes sem lastro, as paixões, duradouras ou não, se exibindo na cadeira
de balanço de noitinha na calçada. O trono do cabeça-de-casal. Este um universo inegavelmente humano, trágico
e feliz como acontece nas comunidades organizadas, a espada pendendo na cabeça
de cada um.
A narrativa de Urquiza é expressivamente
literária, para mim mais ao gosto do jornalismo-reportagem. Ignoro se na sua
vida ele militou na redação de jornais, como repórter ou assinante de colunas, editoriais,
sueltos, reportagens. Encontraria aí a provável influência no estilo de
escrever, de redigir. Na sua novela, o relato, os figurantes, os fatos, tudo está
efetivamente na linha do realismo − reprodução instantânea do momento, como na fotografia
profissional. Esta a impressão que o livro me causou. Mas, o romance está preso
também à sociedade dos homens, nos seus percalços. Em nada ligado ao simbolismo
recorrente do terror e da tragédia dos romancistas ocidentais do século XIX,
tampouco à incompreensível explosão de fatos supostamente produzidos pelo
desenvolvimento de processos tecnológicos, à moderna ficção científica, na mitologia
das transmutações, dos avatares, incompreensíveis e inaceitáveis para alguns. E
o curioso encadeamento de fatos e destinos envolvendo pessoas e bichos,
despertaram-me emoção e simpatia. Ah! Como a literatura encerra a minha vida
nos seus recursos imaginários jamais permitidos na vida! E estimei a novela do
amigo desaparecido.
Não gosto de livros volumosos como
tratados de ciência, de romances cíclicos que atravessam épocas, mas da vida
sendo vivida em palavras e ações, nada de usufruto, fruição de heranças
personalistas. Grande é a vida de cada um, e viver é lutar, mesmo sem arroubos
shakespeareanos. Muito tenho a meditar e tentar comentar sobre o livro do
contraparente e amigo José Urquiza, em nome da nossa amizade, pelo texto e
sentido de sua criação artística.
Fica pra depois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário