EZRA
POUND, HILDEBERTO BARBOSA
E A MATRIZ DAS
LETRAS
Sessenta
e oito anos de empenho foi quanto levou a composição do “CANTOS” de Ezra Pound
(Nova Froneira 2012), ele o afirma, e também contam os biógrafos e estudiosos
de sua extensíssima obra literária. Não me proponho tiradas de sua vida de
polígrafo, somente algumas breves referências, e registros dos historiadores e
críticos da literatura. E colocá-lo ao lado do poeta paraibano Hildeberto
Barbosa Filho. Avulta neste mister, atenção às anotações de fatos sucessivos e
curiosos da controvertida personalidade intelectual do primeiro, que dominou a
poética do século XX, traçan- do novos
rumos e construindo, na expressão de Hugh Kenner “uma épica sem enredo”. As considerações alinhadas,
propõem-se chamar também a atenção, igualmente, para a construção da obra
poética do paraibano, com o lançamento do seu “NEM MORRER É REMÉDIO, Poesia
Reunida” (Ideia, Pb 2012), um misto de lirismo e épica apo-tegmáticas. Poeta
completo, cuja poesia quer ser apenas poesia, sem significado encoberto em
títulos e representações. Tão jovem ainda e já tem lar, conta no banco, biblioteca,
paisagens, lembranças, amores, passado, tradição.
Os
comentários aqui reunidos, simplesmente são visões breves, sem erudição e
desenvolvimento necessários, para tese tão abrangente e ao mesmo tempo indutora
no campo da crítica e teoria da literatura. Hildeberto, entretanto, isso quero dizer: não é nem
será um anônimo intelectual, um suicida das letras. Pelo con-trário, prende-se ao propósito de
perpetuador da vida, porque, afinal, a manifestação maior de sua consciência é
a antenada e inextinguível expressão do texto literário, que se propõe via e
leito da crônica humana, como um ato da criação que se prende na eternidade.
TS Eliot explicou-se: “com tais
fragmentos foi que escorei as minhas ruínas, pois então vos conforto”. Mas Hildeberto
não falaria em ruínas, certamente o
faria sobre arquétipos monumentais, da natureza humana em versos prosaicos ou,
marcos para duração que se perderia no tempo, indestrutíveis, inapagáveis. A
poesia tem essa força de criadora de mitos, de inspiradora de modos e modelos
grandiosos.
Acho
interessante e curioso o sentimento pedagógico que está pre-sente na poética de
Pound, na absorção e composição de palavras e textos em línguas estrangeiras,
nos ideogramas chineses, no cavalheirismo e na ética provençal. Um cuidadoso
mestre-escola, chega a parecer. São falas e comportamentos que ditam datas
históricas. É um monumento literário descritivo de avaliações e julgamentos, como
se fossem tirados da contabilidade de um banco, realidade tão recorrente na sua
familiar crítica às construções financeiras, erguidas até ao relento e através
de pilhagens sobre cadáveres insepultos pisoteados.
Em poesia a forma é aglutinativa de
sentimentos e palavras. Eis o que poderia ser considerado um axioma poundiano,
envolvendo o ideograma e o metrômeno. Sempre ela a palavra, o Verbo, inscrito
na voz dos poetas. Pound é mais narrativo, comparativo, exuberante: sabe do
histórico e do eventual, do político, do brado e do silêncio; já
Hildeberto, registrando até minudências
intemporais, a sua vida, que é a de todos, debruçado talvez na mesa
de uma estalagem maldita, tocan-do a face nas tábuas úmidas e gordurentas,
copia um atribulado personagem de Conrad. Romantismo? Não sei. Cientismo, pode
ser, que se depreende da escolha de um
terceto do “Budismo Moderno” de Augusto dos Anjos, como epígrafe para o seu
livro em questão. Nos dois o “espetáculo do amor em vastas e acesas clarabóias”.
Inacreditável e legendário já se
mostra, o fazer literário de Hilde-berto, que descobre
o “orgasmo das pedras” lavadas pelas águas em turvas imagens, de assaz
insondáveis grutas − os escaninhos da vida reprodutiva, orgânica e inor-gânica,
por contato, metamorfose. As grandes questões, os movimentos e momentos ditos
imperceptíveis, se interpenetram na sua poesia como termos de uma equação sem
incógnitas, O fascinante momento da submissão de elementos quânticos
ondulatórios, à irresistível doçura do lirismo feito em palavras. O desenrolar
da vida marcando situações humanas, reduzindo-a aos ínvios circuitos do
destino, à metá-fora do rio, que reproduz coisas assim, de primitivas e
gigantescas abduções, consu-madas nas fraudes e nas seduções. Afinal disso
vivemos e disso somente tratamos.
Não foi por acaso, que Monsieur Jourdain
descobriu, que durante toda a sua vida, sem o saber, dialogava e argumentava em
prosa. Os poetas, também sensíveis criaturas do povo, conhecem este
procedimento. Pessoas com a mente em perpétuo movimento aglutinativo ditam
conclusões, criam conceitos, propõem regras. Aludem a questões acima de vultos
e personagens eruditos e prosaicos, clássicos e ordinários. A sede de álcool de
Hildeberto, leva ao delírio – mera psicopatia – e equivale ao equívoco
ético-político de Pound, aderindo ao fascismo, mero estado d´alma. Fogem do seu
mister, não criam versos exemplares, que preparam o cerimonial da própria morte, como
acentuaria Rainer Maria Rilke. (continua)
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