terça-feira, 8 de maio de 2012

Notas da Fazenda


HOSANAS AO AMIGO VELHO ERNANI SÁTIRO
Leitura atrasada d "O Canto do Retardatário" do contra-parente (explicarei a seguir) escritor e político Ernani Satyro. Eis uma pessoa genuína, vencedora. De sólida formação intelectual, corajoso na defesa de suas idéias e convicções. Legendário inegavelmente, na mais ampla acep-ção do termo. E peremptório isto sim, casmurral. Reacionário diplomado. Não fazia concessões. Vasta é a sua produção em títulos que constam de “Plano Inicial das Obras Completas de Ernani Sátriro”, elaborado pela FUNES (fundação que traz o seu nome). Romances e ensaios, versos, crônicas de sabor jornalístico, discursos, conferências. Presença escolhida nos "poetas bissextos" de Manoel Bandeira, transcrito, biografado e elogiado. Ali está o João Guimarães Rosa, do “Magma”. Uma honra para as letras tabajaras. Seus versos muito pessoais, também parafraseiam, falam nas letras e autores clássicos (Camões, Augusto, Pessoa), no amor, na tentativa utópica de reconstrução do mundo, na administração pública, na tradição da chefia familiar coronelista na política, na saudade. "Procurei acabar a fundura do mar [...] cadeiras na calçada". Mas reconhece: "Todos nós, afinal, somos ciganos [...] Na entrada do porto tem uma pedra [...] Do meu amor em Olinda [...] Recife, poema e chaga do Brasil". 
Ah! O Recife que reconstruiu a minha vida, que renasceu no exílio campestre – somente pensando, refletindo, vivenciando a vida mesmo, que é o que vale. Algo do amigo velho na minha estrada do devir. Na esquerda ou na direita, no amor e na guerra. Ele numa modéstia que não lhe cabia, afirmou que, a sua estrela se não era brilhante era constante. Tudo em capítulos precisos: “Canto da Inquietação das Cismas”, “Canto do Amor e da Mulher”, Canto da Solidão e da Morte”, “Canto dos Poemas de Circunstância”. Orador solene, sentencioso.
Ernani era filho de Miguel Sátiro e de Capitulina, que enviuvara de Inocêncio Leite, e era mãe de Firmino, sobrinho de minha avó Chiquinha, primo do meu pai, meu primo-segundo e padrinho de batismo. Ernani era, portanto, nosso "contraprimo". Nos desentendemos na política. Caprichos do meu lado e do dele também. Mas não traía, só perseguia. Resisiti. Governador do Estado ele me combateu e derrotou numa eleição para deputado estadual. Fui reeleito no pleito seguinte.
A arte não é a/o que satisfaz o ego. Pelo contrário, é a/o que desperta (ofende) a consciência crítica, circula, viaja no espaço e no tempo. Des-cobre, identifica e cria mundos. O momento atual é ativamente dinâmico ─ induz profissionalismo artesanal, busca e descoberta de materiais, ins-talações. Ernani escreveu num poema: “Vamos todos viver a nova vida / [...] Mas vamos logo ó telespectadores. /Apreciar as guerras e os crimes, /As mulheres nuas /E mais ainda, a destruição / Da Língua e da Família, / Nas novelas de televisão”. Não transigia no tocante a princípios éticos.
O despeito e a frustração revelam o traço do caráter, da perso-nalidade. Maculam a arte. Li alhures que pregaram um pincel embebido em tintas no rabo oscilante de um elefante, que alcançava uma tela. Era um fim de tarde em frente ao mar. Meros circuitos neuroniais estimulados pelo instinto e necessidade de alimento para o estômago. Intitularam o quadro "Pôr de Sol no Adriático". Não é o caso de Ernani Sátiro, evidentemente, com o seu preparo intelectual, a sua inteligência crítica: ele ia direto ao assunto. Outros que ponham a carapuça.
Aqui neste “Maio na Fazenda”, relembro sem despeito, mas com saudade o “amigo velho”. Estava no seu romance “O Quadro Negro” um inverno criador, como dizem os sertanejos, quando chove o suficiente para desenvolver as pastagens e as lavouras. E os relâmpagos do fim do período chuvoso são discretos, como fósforos acesos no horizonte. Andando pelas roças senti aquela alegria interior do campesino nessas circunstâncias. Estamos bem no corrente ano. A mata cresceu, avolumou-se, a rama fechou nas capoeiras, a gitirana, alimento de primeira pra vacaria, com flores brancas e roxas cobre as moitas, as cercas, sobe nas árvores, o milho bone-cou, o feijão canivetou, e já comemos verde.
“Grande é a vida”. Bem sentenciou o Amigo Velho, e para ele uma abraço de reconhecimento no seu valor, na sua franqueza, na sua coragem. Preparo-me para a viagem, o abraço do outro mundo.   ........  Lagoa de Baixo, 2008.

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