sábado, 9 de abril de 2011

Notas da Fazenda


“É UMA DOR SEM FIM”
 MANCHETE DA TV BANDEIRANTES ANUNCIANDO O SEPULTAMENTO DE CRIANÇAS BRUTALMENTE ASSASSINADAS .
A notícia abalou a nação inteira. Até nos ambientes de fantásticas necrópoles, nos redutos mais habituados à luta pelo dinheiro, pela conquista de posições referenciais, aquelas pessoas que fizeram da mentira, da perfídia, do ódio, da violência, da crueldade, do roubo e do assassinato a sua marca, literatos escatófilos, contiveram o esgar vampiresco que se compraz com o sangue – mito da dor e da miséria humanas. A dissimulação, a argumentação forçada e a peroração científica, não explicavam o que residia na origem do acontecimento. A ação foi brusca e o resultado alcançado: doze crianças com menos de quinze anos foram assassinadas a tiros de revólver, mais de dez restaram feridas pelo agressor homicida. Refletiram todos, mesmo assim, por um instante, e certamente se indagaram:  Por que? 
Com mais de setenta anos bem vividos, no centro dos acontecimentos que se desenrolam na vida da sociedade, também me surpreendi com a notícia desumana e implacável no seu conteúdo, com a lembrança obliterada e impedida de se realizar na memória dos fatos, numa escala valorativa. A midia cumpriu o seu papel como integrante (não mais instrumento) do sistema global de dominação da sociedade − avançou para confundir, em impenitentes exegeses meramente ritualistas, litúrgicas ajudadas por todas as expressões e formas de envolvimento da coletividade, rumo aos paradoxos que explicam as teses antropofágicas do Mercado e deixam todos plenamente conscientes que nada entenderam, isentando-se de responsabilidade. Isso mesmo. Apesar de tudo, vacilou, titubeou.
Tivemos Auschwitz, Treblinka, Arquipélago Gulag, Hiroshima, Átila, FHC – enfim a fórmula ideal onde o bem e o mal se contrapõem e vezes se compõem, se completam. Impossível agora, com as alegorias harrypoteanas, os avatares decidindo os destinos, na clareza da inevitável disputa de situações e tesouros, intentarmos encontrar nos escuros desvãos da consciência hu-   mana, e entendermos a caverna de Platão, o super homem de Nietsche, o insconsciente, a libido anal de Freud. Porque seria mais simples com as enunciações precisas da geometria plana. É desses mistérios e apoteoses científicas e matemáticas que se sustenta a negação das coisas simples.
Aqui onde moro as interpretações, também as escolhidas pela mídia, remetem ao ódio a origem e conseqüências das tragédias; à superestrutura jurídica e ideológica da sociedade, que produz lesões difíceis de reparação nos ínvios círculos neurônicos, emaranhados no cérebro humano.
Como explicar a frustração da felicidade que se pode legitimamente esperar? É perturbadora a indagação.
“Simplesmente porque pertence a uma sociedade em que a tragédia aguarda o homem a cada momento, em que o menor incidente pode sempre desencadear catástrofes”. [...] “A Fatalidade seria mais aqui uma espécie de constrangimento social que priva o homem de toda liberdade de escolha...” Este o quadro social, a via que devemos palmilhar na modernidade, e nos são oferecidos inapelavelmente. Esta reflexão encontrei-a na tese sobre o cangaço, do mestre francês da universidade de Grenoble, Jean Orecchione, a propósito do romance “Coiteiros” de José Américo de Almeida, incluído na “Coleção Cangaço” Edições Aquarius Ltda. João Pessoa, sem data. Ele rematava o capítulo de sua tese: “O Sertão é verdadeiramente esta cena trágica sobre a qual, como dizia Valery, ‘paira constantemente a morte violenta’”.
Assim também em Vigário Geral, nas escolas elementares, nas universidades, nas agências bancárias, nas estradas, nas ruas das cidades brasileiras.
...................Assassinada hoje com um tiro de revolver num assalto, na estrada Pombal/Coremas, a amiga Noeme, vizinha de propriedade.......................

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