segunda-feira, 15 de abril de 2013

Notas da Fazenda



RASTRO DE ANDARILHO
EILZO  MATOS
“Jardim Miramar, Maio 1966”, esta inscrição está no final do livro que tenho em mãos. É a data do término da composição da novela-romance “Rastros de Andarilho”, de José Urquiza, como o “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, tratando dos dramas e da vida de bichos e pessoas, envolvidas numa existência no mesmo espaço e cenário, comuns à convivência de todos. Os acontecimentos, as tragédias são iguais. Ideólogos e comentaristas atribuem-lhe um qualificativo. Nada mais. A literatura, entretanto, revigora-se dialeticamente, como expressão e fenômeno exclusi-vamente humano, na teoria do conhecimento, tratando do costume, da vida em sociedade. Também é o retrato social e político de uma época.
Vivi aquela data noutro “sitio”, como falam os portugueses. Mas, como acentuou Guimarães Rosa, seria o mesmo lugar, porque o sertão está em todo lugar, por mais afastados que sejam um do outro, em toda parte, e falando-se de Patos de Espinharas e Sousa do Rio do Peixe, a distância quase não conta, porque se troveja e relampeia numa cidade se escuta e vê na outra. Esta é a estreiteza da vida, perceptível, impositiva, coercitiva. A abrangência no seu fazer, tornando a totalidade em semelhança e homogeneidade, submetida inelutavelmente à práxis do ser.
Batedor de tijolo, prostitutas e meganhas desfilando em passadas, no modo do trabalho de cada um, também a sofrida cachorra, amojada, abandonada, requestada, enfrentando um destino de fracassos e sucessos como as mulheres, as pessoas enfim. As famílias sem documentos, os comerciantes sem lastro, as paixões, duradouras ou não, se exibindo na cadeira de balanço de noitinha na calçada. O trono do cabeça-de-casal.  Este um universo inegavelmente humano, trágico e feliz como acontece nas comunidades organizadas, a espada pendendo na cabeça de cada um.
A narrativa de Urquiza é expressivamente literária, para mim mais ao gosto do jornalismo-reportagem. Ignoro se na sua vida ele militou na redação de jornais, como repórter ou assinante de colunas, editoriais, sueltos, reportagens. Encontraria aí a provável influência no estilo de escrever, de redigir. Na sua novela, o relato, os figurantes, os fatos, tudo está efetivamente na linha do realismo  reprodução instantânea do momento, como na fotografia profissional. Esta a impressão que o livro me causou. Mas, o romance está preso também à sociedade dos homens, nos seus percalços. Em nada ligado ao simbolismo recorrente do terror e da tragédia dos romancistas ocidentais do século XIX, tampouco à incompreensível explosão de fatos supostamente produzidos pelo desenvolvimento de processos tecnológicos, à moderna ficção científica, na mitologia das transmutações, dos avatares, incompreensíveis e inaceitáveis para alguns. E o curioso encadeamento de fatos e destinos envolvendo pessoas e bichos, despertaram-me emoção e simpatia. Ah! Como a literatura encerra a minha vida nos seus recursos imaginários jamais permitidos na vida! E estimei a novela do amigo desaparecido.
Não gosto de livros volumosos como tratados de ciência, de romances cíclicos que atravessam épocas, mas da vida sendo vivida em palavras e ações, nada de usufruto, fruição de heranças personalistas. Grande é a vida de cada um, e viver é lutar, mesmo sem arroubos shakespeareanos. Muito tenho a meditar e tentar comentar sobre o livro do contraparente e amigo José Urquiza, em nome da nossa amizade, pelo texto e sentido de sua criação artística.
Fica pra depois.               

Nenhum comentário:

Postar um comentário