PIANCÓ OSTENTA O LÁBARO DOS INIMIGOS DA
DEMOCRACIA E DA LIBERDADE.
SHAKESPEARE E KUROSAWA − A VISÃO OCIDENTAL E ORIENTAL DA LUTA PELO
PODER
Um
trono e muitos pretendentes. Como ilustração, encerrando querelas de uma vez
por todas, recorro a Shakespeare e Kurosawa geniais retratistas de tipos,
situações e sentimentos humanos, relocando-os à minha paisagem sertaneja, paraibana. Macbeth
e o Samurai descritos pelos mestres da narração e interpretação de costumes e
tradições, na disputa pelo poder, submetidos aos azares da sorte estão no seu
teatro e no seu cinema e em Piancó.
Não
coloquei asas de anjos nos Leite Ferreira, cidadãos comuns, afetados, embora
tenha admitido a conduta do Padre Aristides como tocada pelo demônio Sa-tanás.
E dá para acreditar na realidade de tal comportamento dos dois lados o que recolhi
em documentos e depoimentos de contemporâneos, que consultei e guardei.
A
disputa entre partidos políticos paraibanos naquele tempo, envolvera na-turalmente
a cidade de Piancó. Assim reconhece Celso Mariz. De um lado potentados rurais instituindo
hábitos de suserania, que chegaram com a colonização, mandados pela Casa da
Torre titular do morgado que dominava vales e sertões paraibanos. Do outro, os
que se sentiam excluídos do processo de definição social da coletividade.
Acredito
que deixei claro firmado em depoimentos e documentos, que Piancó paga muito
caro, com imenso prejuízo moral para o seu povo e sua história, sustentar (até
quando?) a estupidez, a burrice de fazer do Padre Aristides o seu herói. Um
engano fruto da obnubilação, que prejudicou o direito de opinar, de
julgar. Coisa de dinheiro.
Não
culpo somente o empresário Teotonio Neto, que todos sabem pagava casa, comida,
hotel em Piancó e na capital, alfaiate, roupa lavada, recrutando com objetivo
político eleitoral, guarda avançada para o seu batalhão de falsários da
história, da verdade, para derrotar os Leite Ferreira.
A
roupa de diagonal branco engomada estralava no vai e vem de ruas, mesas de pife
e de bar, clubes e festas usadas por quem não podia pagá-las. Mas funcionava
como um distintivo, uma marca, um ferro: “Aquele é de Teotonio.” Muitos
figuraram na sua folha de pagamento. Se prestaram alguns Leite Ferreira,
inscritos como os deserdados nos livros de fiado das bodegas. Sem grandes
realizações, finou o império de Teotônio, com prejuízo para alguns clientes. E
foi dado curso à lenda da criação de um falso mártir para garantir a
sobrevivência de outros, sempre contra os Leite Ferreira, cuja tradição
familiar francamente decadente ainda os mantinha no poder.
Mas
deixa prá lá. O Senado anulou a ata da sessão que declarou vaga a presi-dência
da república, cassou o mandato do presidente João Goulart, empossou como
substituto um fantoche. Foi ressalvada a moral pátria pelo Congresso Nacional.
Agora, repito, já que as chuvas voltaram, os tempos são outros, cabe à Câmara
Municipal de Piancó e aos cidadãos, apagar da sua história o vergonhoso lábaro
de feroz inimigo das liberdades democráticas, da modernização dos costumes
políticos.
Foi
a mancha mais feia conquistada na infame e sangrenta emboscada que o Padre
Aristides perpetrou contra as forças militares de jovens oficiais, em marcha patriótica
através do país, que defendiam teses do voto secreto, do ensino primário
obrigatório, de direitos sociais, trabalhistas. Não acredito que os piancoenses
contestem estes princípios formadores da cidadania, da democracia. Pois este é
o seu retrato, enquanto veneradores do tipo desajustado socialmente, o Padre
Aristides como mártir e herói. Ele militou na política local por mero acidente:
a derrota em 1915 do candidato a governador da facção dos Leite Ferreira.
Mártir
de quê? Herói como? Com a malandragem sertaneja dos negociantes de feira,
esperteza de João Grilo, o padre galgou posições, amealhou fortuna. A prática
do assédio sexual às paroquianas, a constituição de família numerosa, a conduta
desabrida, valeu à sua “suspensão de ordens”, decretada pela Arquidiocese da
Paraíba, proibindo-o de celebrar missa, casamento, batismo, usar vestes
talares.
Na
tragédia, no drama, na comédia transcorre a vida e se desenvolvem legendas na
sociedade dos homens. Infelizmente prosperou em Piancó a da inveja doentia, da
traição dolorosa e cruel, da falsificação da verdade, da história. Esta a
sorte, o destino de Piancó que adota o codinome de Guerreiro. Não dá mais. Não
cola mais. Uma pena. Também, com tal herói retratando os manes de sua história é
impossível.
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